Por Camila Cassia Capel
#antroposofia #parentalidade #desfralde
Cada criança nasce com um temperamento e características ancestrais herdadas dos pais. O temperamento modula a intensidade e a maneira como elas captam o mundo. Isso significa que todas as percepções vindas dos órgãos sensoriais (visão, olfato, tato, audição, paladar) serão sentidas de forma diferente por cada uma. Por exemplo, o mesmo estímulo, vivido por dois irmãos– ainda que gêmeos-será captado diferentemente por cada um deles. Desse processo de experiência e percepção, marcações cerebrais são feitas e ficam armazenadas sob a forma de memórias implícitas. Tais memórias não ficam conscientes mas servirão de informação para processar o mundo pelo resto da vida.
Interessante pensar que a maioria do material que usamos para codificar e responder às demandas da vida adulta é construído ainda na infância. Um grande marco do desenvolvimento acontece quando a criança tem pouco mais de dois anos, o controle sobre seus esfíncteres. Nessa fase, os pais, normalmente, estimulam o desfralde. Esse período gera bastante expectativa e, às vezes, angústia para a família. O desfralde pode ser associado à manipulação inconsciente do meio pela criança. Por exemplo, através da reação dos pais diante do seu comportamento ou da satisfação percebida na mãe ao fazer as fezes no penico, a criança experimenta uma sensação de prazer e isso pode ser um estímulo para que faça aquilo mais vezes e receba tal olhar novamente. Mas o contrário também pode acontecer, se a criança percebe a apreensão da mãe quando seu intestino está preso por alguns dias, isso pode se tornar uma espécie de jogo inconsciente na busca de atenção.
Para além desse jogo, o desfralde também está marcando circuitos neuronais sobre aprovação e desaprovação diante de atitudes corretas ou incorretas. Nosso cérebro está experimentando e registrando tudo, sob a forma de crenças, e formando valores.
Mas a fases do desenvolvimento trazem novas percepções diariamente. Não à toa, os três primeiros anos são de uma evolução inacreditável. Nunca o ser humano se desenvolverá da mesma forma em tão curto período. Posteriormente, com a conquista do andar, a criança começa a se perceber como um ser separado do mundo e começa a explorá-lo intensamente.
A nossa personalidade é moldada em função da tentativa de evitar sensações de desprazer e dor e, também, repetir sensações de prazer. Naturalmente, toda criança busca afeto mas quando ela, constantemente, recebe uma recusa, freia seu gesto e tem uma reação de contração, como um movimento introspectivo, que contem seu impulso natural o de expandir-se. Essa energia de expansão– natural da criança- quando contida, se volta para o seu próprio corpo. Esse movimento involuntário, causado pelas condições do ambiente, reverberam na sua fisiologia. A interrupção dos impulsos alteram fluxos fisiológicos; quando essa condição é sentida com frequência -ou grande intensidade-compromete a fisiologia. Assim, na tentativa de não experimentar novamente um desprazer, ela cria um jeito de ser, contendo seu temperamento. A frequência dessa dinâmica molda traços que formam a personalidade do indivíduo.
Em outras palavras, o jeito de ser da criança é uma forma dela se adequar ao meio, escondendo suas vulnerabilidades. É fato que o ser humano, desde criança, cria uma maneira de agir a fim de evitar o sofrimento.
Algumas crianças, pelo temperamento, têm a tendência a serem menos expansivas, são mais reservadas e contidas. Assim como existem aquelas que têm a tendência a serem mais expansivas. A expressão dessas tônicas dependerá das condições oferecidas pelo ambiente.
Os temperamentos são a base da Antroposofia e da Medicina Tradicional Chinesa. E ambas possuem muito em comum. A partir dos estudos do temperamento é possível entender melhor cada ser humano e sua maneira de apreender o mundo. Isso, inclusive, é utilizado nas escolas onde se aplica a pedagogia Waldorf. Com essa visão, o professor pode observar cada aluno em sua individualidade e, assim, trazer recursos adequados para a criança. Esse olhar para a individualidade do ser ajuda cada criança a se desenvolver em seu melhor e, também, a lapidar os pontos desfavorecidos. Esse olhar minucioso do professor identifica as habilidades da criança e a incentiva a desenvolver aquelas que lhe são mais difíceis. O papel do bom educador é extrai a força que existe em todo ser humano; porque esse será seu maior recurso para a superação dos desafios da vida adulta. Como pais, somos esses educadores, que têm o papel de extrair o melhor que reside no interior de cada ser humano.