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Por que educar é tão difícil?
Educamos nossos filhos a partir da bagagem emocional que trazemos de nossa infância. É comum nos pegarmos reproduzindo em voz alta os sermões que ouvíamos de nossos pais ou perceber que estamos mais impacientes do que gostaríamos, mal-humorados diante da vida, como aqueles velhos que há poucos anos julgávamos ranzinzas.
Essa bagagem parece ficar mais pesada ao longo dos anos e dos desafios que os filhos nos apresentam. Os filhos denunciam a parte que “nos escapa”, são nosso espelho. Através do que identificamos neles como defeitos, podemos ver aquilo que precisa ser mudado em nós, mas que ainda não temos consciência de que possuímos.
A maternidade é este presente incongruente, que carrega nossas melhores e mais obscuras partes. Trata-se de algo que não podemos escolher, porém, atravessar este processo de forma consciente é a margem de escolha que nos cabe.
Aqueles pais que ousam encarar isso de frente ganham a oportunidade de trilhar o caminho que os conduzem de volta a si mesmos, onde é possível curar as feridas da própria infância.
A criança não consegue entender o mundo e cabe ao adulto trazer respostas para que ela vá construindo esse entendimento por si própria. Neste processo, os pais são os guardiões de um segredo, o segredo daquela criança que lhes foi confiada. No caminho inverso, a criança expõe o universo emocional da mãe, trazendo à tona a chave para o reencontro com sua própria alma.
Na maioria das vezes, nos tornamos pais sem preparo algum. De repente, nos vemos com um filho nos braços e damos conta de que agora somos pais. Em dias, meses, no máximo em alguns poucos anos, estaremos diante de situações, dúvidas, conflitos, medos e angústias com os quais não estamos preparados para lidar. Não sabemos o que fazer, mas existe alguém que depende de nossas respostas para construir seu próprio mundo: nossos filhos.
A criança é inocente e tem uma necessidade profunda de ser amada, aceita e de se construir. Na infância, somos seu exemplo, elas nos seguem e imitam e o fazem, inclusive, por uma capacidade neurológica vinda do neurônio-espelho, que permite à criança imitar tudo o que a cerca.
Nossa arquitetura mental é construída na infância e a levamos para a vida adulta. E é justamente com essa arquitetura “infantil” que educamos nossos filhos. Por isso, a autoeducação é o caminho salutar para conduzir este processo. Temos um eu herdado da infância, que em grande parte não é real, mas construído por fantasias tecidas pela criança. Vivemos a vida carregando isso de forma silenciosa até que somos chamados a educar e temos a possibilidade de revisitar nossas próprias histórias.
A criança sente uma real ameaça de abandono na raiva de um pai, no olhar de reprovação, nas negativas por atenção e no seu olhar de crítica. O adulto sabe que nunca irá deixá-la, mas a criança não sabe disso. Surpresa! Nós também não sabíamos disso quando éramos crianças. Nós também passamos por isso e as marcas desse receio agora são passadas para nossos filhos que, por sua vez, carregarão tais marcas para as relações com seus próprios filhos, em um processo transgeracional.
Para aqueles que decidem encarar os desafios da maternidade/paternidade como uma grande oportunidade de cura, o caminho é libertador. Ao acolher os sentimentos que emergem ao lidarmos com situações difíceis na tarefa de educar, estamos ganhando uma chave que acessa a nós mesmos.
Como adultos podemos olhar agora sob novas lentes e integrar nossas próprias dores. É preciso separar o que é nosso, o que é da criança e o que é real, a partir de uma nova perspectiva. A partir disso, podemos testar novos caminhos para educar.
Se algum tema em específico hoje é fonte de grande preocupação na sua educação, preparei uma prática reflexiva ampliada para compor o seu journal parental que está disponível para baixar gratuitamente.
Trata-se de uma investigação minuciosa baseada no modelo Acht, que tem por objetivo observar além da superfície e ganhar uma perspectiva ampliada e capaz de enxergar diferentes pontos de vista sobre o mesmo tema. Quando fazemos isso, ganhamos escolhas e podemos, livremente, caminhar para a parentalidade que desejamos realmente exercer com nossos filhos.
O exercício da parentalidade exige que sejamos mais do que pais interessados, mas pais comprometidos, para que tenhamos coragem de mergulhar dentro de nós mesmos.