As palavras natalidade e mortalidade existem em todos os idiomas, mas a palavra inatalidade, não. Segundo Dr. Peter Selg, médico psiquiatra infantil, juvenil e psicoterapeuta, no Instituto Ita Vegmam, na Suíça, autor do livro “Inatalidade” (Selg, Peter, Editora Antroposófica), na cultura oriental, existiam palavras para descrever o termo inatalidade, no entanto, elas desapareceram.
Ao lidar com a educação, esse termo despertou grande interesse em mim, a partir do momento que presenciava (dentro e fora de casa) os desafios que uma criança trazia para as famílias. Ao mesmo tempo, via a capacidade de superação dos pais diante das situações, demonstrando que cada pai/mãe carrega consigo as chaves que desvendam os enigmas de seus filhos. Percebi que meu papel era apenas dar ferramentas para que eles descobrissem as respostas. Isso me chamou a atenção – o quanto nossos filhos evocam em nós capacidades muitas vezes desconhecidas, e o quanto os desafios são convites para um desenvolvimento de mão dupla, onde os filhos ganham capacidades e qualidades humanas, enquanto os pais ampliam sua consciência.
Afinal, haveria de existir algum acordo oculto entre pais e filhos, reservando para cada família os desafios que os tornam seres humanos melhores.
A Inatalidade entra nesse momento. Caracterizada, na visão antroposófica, como o período ainda antes da concepção, um tempo que podemos chamar de espaço cósmico, um longo período terreno, em que cada eu anseia por voltar para a Terra. Na chamada Meia-Noite Cósmica acontece o processo entre as duas vidas terrenas. Nesse ponto, a individualidade, o eu, juntamente com seres muito elevados, tomam decisões. Primeiro, escolhe o tempo no qual vai encarnar, o ano, por exemplo; depois, escolhe a etnia, região, lugar, cultura; e por fim, a terceira decisão, a família, e não apenas os pais, mas toda a família ancestral.
E aqui entra mais um elemento, pouco antes da sua concepção no ventre de uma mãe: o eu tem, novamente, a vivência de uma imagem, na qual a vida em que ele vai ingressar é apresentada de forma mais concreta. Então, este eu tem que dizer sim novamente para a esfera na qual vai adentrar.
A consciência da Inatalidade, da qual todos viemos, abre-nos um novo olhar diante de uma criança; isso significa olhar cada criança com a visão ampla de que aquela individualidade disse “sim” para sua biografia. A partir deste olhar amplo, nossa relação com aquele ser muda completamente. Ainda, isto abre nova perspectiva diante de todos aqueles com os quais nos deparamos na vida. Especialmente, no âmbito da educação, onde muitos pais são acometidos de medos e dúvidas, ganhamos a confiança de que nossos filhos nos elegeram como guardiões de sua consciência enquanto ela ainda não está pronta, portanto há uma espécie de acordo mútuo. Nós teremos três setênios para ser farol da consciência de nossos filhos, exatamente porque possuímos todas as capacidades para ajudá-los em sua tarefa aqui na Terra. Assim, os desafios que vivenciamos com os filhos, nada mais são do que “chamados” do mundo espiritual, para que reconheçamos tais capacidades e para que, também, nos auto desenvolvamos para ajudar nossos filhos. Essa é a tarefa da autoeducão.
Mas ainda penso em uma nova perspectiva que pode se abrir quando ampliamos o olhar para o conceito de Inatalidade. Nossos filhos nos escolheram como seus guardiões aqui na Terra e, assim, fomos eleitos como seus pais, e nós, enquanto filhos, também fizemos essa escolha em relação aos nossos progenitores. Reconhecer que os pais carregam absolutamente tudo o que precisamos para que chegássemos exatamente onde estamos hoje é experienciar a graça e a serenidade de que nossas vidas tiveram um curso certo que nos conduziu ao lugar certo. Ainda, reconhecer que, principalmente, o que nossos pais não nos deram nos levaram a buscar novas capacidades para superar as faltas, coloca-nos como ganhadores de algo. Isso alivia, particularmente, a sensação ruim que sempre fiquei em processos terapêuticos comuns, onde revisitamos a infância, olhamos as faltas e assumimos uma postura julgadora diante das faltas cometidas por nossos pais. Ficamos permanentemente no papel de vítimas de circunstâncias às quais não tínhamos, de fato, possibilidade de atuação.Se não tivermos grande cuidado, podemos ficar com a falsa ideia que algo nos foi tirado na infância enquanto possibilidade ou que deixamos de receber algo. Nossos pais nos deram absolutamente tudo o que nós mesmos sabíamos ser importante para nosso desenvolvimento até a vida adulta. E o que não deram, era, simplesmente, porque não nos levaria onde precisávamos estar. Caso tivessem suprido determinada lacuna, não teríamos desenvolvido aspectos que tivemos que desenvolver para dar conta da falta, portanto, não seríamos quem somos hoje.
O grande segredo para viver essa sensação de paz interior, que é quando não sentimos ter perdido algo ou nunca ter recebido, correndo o risco de ser uma eterna vítima, é sair do julgamento. É ele que entende que as faltas nos levaram a passar por situações difíceis e às quais não merecíamos. Mas quando entra o significado da Inatalidade, que nos diz que nosso eu autodeterminou o que ele gostaria de melhorar em si mesmo, ainda antes do nascimento – e que isso o fez escolher os pais, exatamente porque, com aqueles, encontraríamos a dificuldade necessária para buscar habilidades e capacidades – mudamos a visão da mesma situação e passamos a agradecer nossos pais, inclusive (ou principalmente) pelas faltas que nos permitiram viver.
Lembre-se, os pais, em especial, a nossa mãe, nos recebeu em seu corpo por aproximadamente nove meses para que chegássemos nesse mundo e cumpríssemos nossa tarefa humana, escolhida desde as esferas espirituais em estado de plena consciência. Só que, ao nascer, esquecemos esses acordos no mundo espiritual chegamos aqui inconscientes. Ao longo da vida, nossa tarefa é desenvolver o que deixamos para trás em épocas pregressas e buscar novas possibilidades de estar no mundo, de forma mais íntegra e em harmonia com o todo. Fazemos isso conforme ampliamos nossa consciência e ganhamos maturidade terrena.
Nesse sentido, quando nos tornamos pais, nossos filhos virão apenas nos lembrar do que não conseguimos dar conta nos nossos primeiros setênios de vida, quando éramos crianças. Nossos pais não podiam nos dar tudo, caso contrário, deixaríamos de evoluir. Então, a perfeição divina nos envia os filhos, para termos a oportunidade de resgatarmos o que, na nossa infância, ficou em desarmonia.
Isso mesmo, ganhamos nova chance quando filhos, durante seus períodos da inatalidade, ainda enquanto espíritos, elegem-nos como guardiões de seus segredos. Como diz Dr. Ana Paula Cury, médica antroposófica e fundadora da escola de famílias, espaço dedicado à educação parental embasado na Antroposofia: “Não são os filhos que se parecem com os pais. São os filhos que se parecem com aquilo que os filhos vêm buscar e por isso eles nos elegem, como guardiões de um segredo”.
E cada criança tem o seu segredo a ser revelado. Como pais deveríamos trabalhar para remover os obstáculos do caminho desse espírito, que chamamos de filho, para que ele possa desenvolver suas capacidades e, assim, exercer na Terra o que ele veio fazer. E fazemos esse trabalho até os seus vinte e um anos, quando esse jovem recebe de volta a possibilidade de se tornar autoconsciente e conhecer a si mesmo, quando ele se apropria de sua própria consciência.
Durante a infância, os pais são as luzes da consciência da criança sob seus cuidados. A criança de primeiro setênio (0 aos 7 anos) vive em estado de sono; a criança de segundo setênio (7 aos 14 anos) vive em estado de sonho e no terceiro setênio (14 aos 21 anos), o jovem ainda está acordando. E a cada fase, algo daquele ser nos será revelado se estivermos atentos e fiéis à nossa tarefa. Durante estes anos, os pais serão as consciências despertas, em vigília por esse ser. Esse é trabalho que pode ser entendido como sagrado (sacro – ofício/sacrifício), ao qual fazemos com devoção e como uma doação.
Consciência, fidelidade, vigília, sacrifício, devoção, doação, revelação. Quando juntamos todas essas palavras, podemos entender que a parentalidade é como caminho iniciático – que, na antiguidade, era proposto a algumas pessoas para trilhar o desenvolvimento espiritual, sendo reservado a poucas pessoas, que eram escolhidas para isso. Em nossa época, na chamada época da Alma da consciência, todos nós podemos trilhar o caminho do desenvolvimento espiritual, pois ele nos foi dado como possibilidade no momento em que ganhamos a autoconsciência.
Para a Antroposofia, isso está ligado ao caminho de Cristo. Portanto, em nossa época, somos testados e desafiados o tempo todo para desenvolvermos mais e mais consciência, e os filhos são esse generoso convite. Diariamente, somos chamados a iluminar nossas sombras e nos tornarmos seres humanos melhores. Nesse caminho vamos nos aproximando de nosso elemento espiritual. Mas, assim como no passado, esse caminho nos exige três coisas: DISCIPLINA, ESTUDO E CONSCIÊNCIA.
Pelos filhos podemos entrar nessa jornada de desenvolvimento. Nós teremos seus três primeiros setênios inteiros para caminhar, em vigília, despertos e, a partir do nosso exemplo, também acenderemos neles as suas próprias chama, iluminando seus caminhos para que, a partir do fim do terceiro setênio, eles possam tomar posse de seu próprio eu.
Cada um de nós ganhou essa chance ao fim do terceiro setênio de sua biografia (e ainda a está vivendo). Ganhamos a chance de nos autoconhecermos por conta e vontade própria, por meio de disciplina, estudo e da consciência, O que hoje vivemos de dificuldade, serve a esse nobre propósito, nos elevar.
Portanto, agradeça seus desafios, eles te instigam a olhar para dentro de si; agradeça aos seus pais, eles te permitiram chegar à Terra; agradeça a si mesmo, por escolher nascer e passar pelos desafios humanos; e, acima de tudo, agradeça a Deus pela vida na Terra, pois é aqui que o nosso espírito tem a única chance chegar ao mundo espiritual de forma LIVRE.
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