Os reinos da natureza fazem parte de toda a nossa constituição. Somos minerais – nossos ossos denunciam isso; somos vegetais, que descreve um ciclo no tempo – nossos cabelos, unhas, até nossos tecidos se renovam de tempos em tempos, nos conectando ao reino do qual as plantas fazem parte. Ainda, somos animais – nossos instintos e desejos nos conectam a outros da espécie. Mas carregamos um reino a mais: o humano. Somos os únicos seres que carregam essa qualidade, fazendo-nos diferentes dos demais. E é essa qualidade preciosa desse reino da natureza que precisamos aprender como cultivar, visto que apenas nós podemos. Qualidade essa que nos permite pensar e dar sentido às nossas vivências. Aliás, é esta que nos impede de agirmos feito animais, ainda que estejamos com fome ou em risco de vida, ainda que nossos instintos gritem, temos um poder único de freá-los, e graças a isso, as sociedades e culturas foram se formando. Caso contrário, matáramo-nos gratuitamente, movidos pela agressividade, como animais que brigam por um pedaço de carne podre.
Sim, muitos devem estar pensando que algumas pessoas não possuem esse reino dentro de si, baseados nas barbaridades que podemos conferir em 10 minutos de noticiários. Infelizmente, ainda que neguemos, eles são, também, da nossa categoria, ainda que em um estado de consciência bastante adormecido. Mas como humanos, temos algo que animais, plantas e pedras não possuem: a possibilidade da liberdade. A pedra só pode ir de um lugar a outro se alguém lhe aplicar uma força que a tire do lugar; a planta tem vida, mas não pode ir de um lugar a outro, apenas crescer em direção ao sol e suas raízes se fixam no solo; o animal, tampouco, está preso em seus instintos que o impedem de agir de maneira diferente dos demais da espécie. Ao humano é dada, enquanto possibilidade, a liberdade. Portanto, poderemos ou não ser realmente livres. Para que sejamos, teremos que fazer escolhas. E para que algo seja considerado escolha, temos que ter o conhecimento de mais de uma possibilidade. Assim, o bem só é realmente bem quando é escolha consciente daquele que conhece o mal. Dessa forma, o mundo foi sendo construído, com o bem e o mal convivendo entre os humanos; e é essa escolha que somos, diariamente, convidados a fazer. O mundo está sempre nos mostrando maneiras mais fáceis e prazerosas de viver. Estamos sempre sendo convidados a agir por instintos, não apenas o da agressividade, como também os instintos dos apetites, seja por alimentos ou sexo. Como animais, não teríamos força de vontade para atingir nossos ideais, sentir empatia ou formar uma família por laços de afeto. Em vez disso, apenas procriaríamos para aumentar a espécie.
Acredito que o preço que o ser humano paga para usufruir de tanto mais que outros reinos é que estamos aqui a serviço de um reino inteiro e temos nossa grande parcela nessa flecha evolutiva. Para isso, desenvolvemos nossa consciência, de modo que possamos vencer as inclinações que tentam nos tirar dessa evolução. Quantas vezes somos pedra e ficamos inertes diante da vida? Quantas vezes vivemos a vida acomodados, em uma espécie de “estado vegetativo”, esperando que a luz e a água cheguem sem esforço? Ainda, quantas vezes queremos apenas comer e dormir, buscando apenas sombra e água fresca? Essas são manifestações dos nossos reinos interiores querendo aparecer, vez ou outra. Somente a consciência de que carregamos esse algo a mais é que nos dará força suficiente para fazer escolhas que aumentem nossa dimensão humana.
Natureza e educação
E quando falo em natureza, não há como não relacioná-la à educação. Dos povos andino-amazônicos vem o conceito de “runa”. Em quíchua, língua falada por esse povo, “runa” significa pessoa unida em conexão corpo, mente e alma com sua grande família, que inclui a comunidade humana, a comunidade dos seres vivos da natureza e a comunidade de seres espirituais. Eles sentem que a natureza fala com eles e os ensina. Não há objetivação da natureza; ela é um ser vivo do qual nós fazemos parte. Para manter esse costume entre eles, os pais dão a seus filhos ainda pequenos dois ou mais canteiros para cultivarem e, assim, criarem-se mutuamente. Segundo eles: “Quando você cria uma planta, ela cria você, e quando você cria um animal ele também te cria”.
Mas esse conceito não está fechado apenas nos círculos indígenas; a ciência também já consegue admitir essa ligação. Howard Gardner desenvolveu sua influente teoria das inteligências múltiplas em 1983. Ele declarou que a teoria de inteligência baseada em testes de QI era extremamente limitada e propôs sete tipos de inteligências para dar conta de um espectro maior do potencial humano:
- Inteligência linguística
- Inteligência lógico-matemática
- Inteligência espacial (pictórica)
- Inteligência corporal-cinestésica
- Inteligência musical
- Inteligência interpessoal
- Inteligência intrapessoal (do eu)
Mais recentemente, ele adicionou uma oitava inteligência:
- Inteligência naturalista.
A professora Leslie Owen Wilson, da área de psicologia educacional e teorias de aprendizado na Faculdade de Educação da Universidade de Wisconsin, que oferece um dos melhores programas em educação ambiental, elaborou uma lista de indicadores de crianças com a oitava inteligência:
- Têm habilidades sensoriais aguçadas, incluindo visão, audição, olfato, paladar e tato.
- Fazem pronto uso de suas habilidades sensoriais aguçadas para anotar e categorizar elementos do mundo natural.
- Gostam de estar ao ar livre ou atividades externas.
- Notam com facilidade, padrões como equivalência, diferença e semelhança.
- Têm interesse por animais e plantas.
- Possuem percepções do ambiente que as demais pessoas não reparariam.
- Criam, mantêm ou têm coleções, cadernos, registros ou diários sobre objetos naturais, que podem incluir observações por escrito, desenhos, imagens ou espécimes.
- Demonstra profundo interesse desde cedo em programas de televisão, vídeos, livros, objetos sobre natureza, ciência ou animais.
- Demonstram uma consciência mais aguçada e uma preocupação com o meio ambiente e/ou com as espécies em perigo de extinção.
- Aprendem com facilidade características, nomes, categorizações e dados sobre objetos e espécies encontrados no mundo natural.
O cuidado que devemos ter é o de não interpretar a inteligência naturalista como modalidade distinta, o estereótipo de um menino ou uma menina que gostam de natureza. Não se trata disso, essa inteligência pode ser desenvolvida por toda criança, visto que se trata de algo intrínseco ao ser humano. Como Richard Louv coloca, talvez a oitava inteligência seja aquela que está dentro da natureza, e as aulas para desenvolvê-la estão apenas à espera de alguém aparecer para aprender.
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Acreditamos que a troca é fundamental para evolução da nossa consciência.
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