Os três primeiros anos de vida são marcados pelo andar, falar, pensar e são ações profundamente integradas. A criança que é deixada levar por seus próprios recursos no aprender a andar, sem a ajuda de andadores ou de apoios, desenvolve plenamente o Sistema Piramidal, cadeias de neurônios do Sistema Nervoso Central ligadas aos movimentos do corpo humano. A criança vai delicadamente “acordando” suas articulações, ossos, coluna, trazendo um despertar suave através dos movimentos livres de rolar, rastejar, sentar sem apoio, engatinhar, apoiar-se para ficar em pé e, finalmente, conquistar os primeiros passos, possibilitando um despertar suave que culmina com o andar ereto. Esse marco é o ápice, a conquista que nos torna iguais a todos os humanos, e que marca o acesso a uma nova perspectiva do mundo, vemos o mundo a partir de uma nova altura. Essa conquista impacta na aquisição da fala e, consequentemente, do pensar.
A criança deixada a seu próprio deleite neste processo da conquista dos primeiros passos, tem um estímulo completamente diferente da criança hiper estimulada; obviamente, nos dois casos as crianças vão andar normalmente; no segundo caso, inclusive, pode ser até mais rápido, mas a aquisição da fala e consequentemente, do pensar sofrem a influência de como foi conquistada a posição ereta.
Como adultos, nos esquecemos dessa tríplice conquista tão importante do ser humano, mas aqueles que conseguirem fazer esta experiência com seus filhos, estarão contribuindo para toda a vida deles. Caminhar não é um simples processo do movimento que possibilita a locomoção; no aprender a andar acontece um processo de conscientização, que leva à percepção do meio ambiente como algo “fora” de nós. Na verdade, o fato de a criança andar não se dá por um controle isolado de musculatura, e sim, por um aclaramento da consciência. E para isso, terá sido essencial a vivência do “em cima e embaixo”, “perto-longe”, “redondo-anguloso”, vivenciada através da experiência com seu próprio corpo, através do movimento, do rastejar, engatinhar, do apalpar, do olhar. Tudo isso precisa ser vivenciado em doses pequenas, que ela própria possa administrar, através do corpo e das sensações recolhidas destes gestos. Isso porque cada percepção marca algo em sua memória implícita; e uma vez que ela ainda está formando suas estruturas mentais, se a forçamos vivenciar as coisas no ritmo do adulto, estaremos introduzindo sensações que seus próprios corpos sozinhos ainda não seriam capazes de lhe proporcionar, como consequências, suas sensações e marcações de memórias também serão afetadas.
Neste processo entre a criança e o mundo, sua conscientização vai separando o ser da criança e o mundo. Conforme sua consciência clareia, ela começa a controlar seus movimentos e, aos poucos, separa o corpo, como ser individual, do meio ambiente. É o desligamento do corpo com o ambiente maternal que leva ao andar ereto. Isso explica porque algumas crianças demoram mais para andar. Podemos pensar que esta criança precisa de mais tempo para sentir-se separada do seu ambiente.
O andar ereto é processo decisivo na biografia de um ser humano, que separa o mundo dela mesma, fazendo parte do processo de diferenciação. Este processo acontece primeiro no olhar; inicialmente, enxergando alguns vultos; depois ela aprende a sobressair a cabeça e erguê-la, usando-a como um novo órgão direcional, virando a cabeça para a claridade; o olhar para as mãos, seguido de capturar objetos e deixa-los cair. Depois, ela adquire a capacidade de se sentar livremente, sem a ajuda de apoios, e sim, com sua própria força; agora é capaz de fixar o olhar em um objeto longe e por sua vontade, através do seu próprio querer, vai à sua captura e o leva à boca. Sua cabeça agora flutua sobre seu corpinho, o mundo vai se ampliando aos poucos e, assim, ela um dia pode agarrar-se ao berço e trazer seu próprio corpo junto eaté ficar em pé. Este processo é contínuo no ritmo de cada criança, ao longo do primeiro ano ou um pouco a mais, mas culmina quando ela, sozinha, é capaz de ficar em pé na posição vertical. Agora, deu-se o passo decisivo na separação entre o mundo e o corpo.
Segundo Rudolf Steiner, nos textos escolhidos sobre Os três aprendizados da primeira infância e a configuração do destino, a posição de equilíbrio a faz buscar o uso correto dos braços e também a postura correta do organismo humano na posição que corresponde ao ser humano no mundo. Quando o ser humano exerce toda esta atividade, uso dos braços, dedos, os movimentos que ocorrem em todo o seu sistema atuam de modo ascendente no sistema, que é a base para a fala humana. Isso retesa os músculos, movimenta o sangue, exerce uma influência sobre o corpo etérico do ser humano, transferindo aos órgãos respiratórios físicos, etéricos e astrai; e ainda tem continuidade, exercendo certa atividade modeladora do cérebro. Poderíamos dizer que se transfere para os órgãos que, partindo do interior do ser humano, fazem surgir a fala por meio da imitação do seu entorno. A fala é o movimento e equilíbrio humanos transformados.
O elemento da fala continua na destreza, não ela pronta, mas o esforço que a criança tem de fazer para conquistar a destreza da mão para pegar algo. O ritmo da fala se expressa na forma como nossos pés pisam, no movimento do andar. E é da fala que cresce o que eclode do ser humano sob forma de pensar infantil. Andar, pensar e falar se desenvolvem partindo da consciência indistinta, sonhadora. Os primeiros sons da fala não são aqueles que reproduzem o pensar; eles provêm do bem-estar ou do mal-estar físico-corpóreo.
A conquista do andar decorre de pequenos feitos que muitos pais tendem a querer acelerar, e que fazem parte do processo de tomada de consciência da criança. É um processo contínuo, em que cada criança imprime seu ritmo, que culmina quando ela, sozinha, é capaz de ficar em pé na posição vertical. O mundo, então, torna-se algo estranho a ela, onde agora ela se auto percebe. A cada instante surgem novas impressões do exterior, que ela logo esquece e precisam ser reconquistadas; neste processo, ela repete e busca fazer as mesmas coisas, mas sempre com o mesmo entusiasmo com que fez a primeira vez, tudo é sempre uma novidade. Agora, o mundo passa a ser mais que algo inquietante e estranho, torna-se também algo possível de ser conquistado por alguém que se move livremente.
Karl König expressa essa conquista belamente:
“Nós pudemos andar eretamente porque durante o primeiro ano de vida pudemos dar o passo de uma criatura entrelaçada ao mundo para ser espectador do mundo.”
Referência:
KÖNIG, Karl König- Andar, falar, pensar
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