As forças usadas no período acordado, chamado estado de vigília, são retiradas do sono ou, ainda, as forças gastas na vigília são repostas durante o estado do sono. Caso contrário, nosso organismo se des- truiria. O estado de consciência desgasta o aparelho neurossensorial, portanto adentrar na inconsciência é uma necessidade do homem. Como um pêndulo de um relógio, que oscila para a direita, acumu- lando força e causando o movimento oposto para a esquerda, o homem também precisa deste equilíbrio entre vigília e sono.
Todas as noites ocorre um desligamento de corpos sutis; desliga- mos a parte responsável pelas representações mentais, sensações, pela soma (é, um termo de psicanálise def: a soma é definida por alguns autores como a anatomia viva inicial, que respira, tem fome, neces- sidades, fica excitado, tenso, come, digere, é sensível a variações do ambiente e se expressa. Portanto, nós nos desligamos das emoções que estão diretamente ligadas à percepção dos órgãos sensoriais. Ou seja, o conteúdo consciente deixa de atuar e passamos a ficar entregues apenas às leis vitais, aquelas que mantêm vida no corpo. Segundo Goethe: “A natureza inventou a morte para ter mais vida”.
Podemos dizer então que, todas as noites, partes desgastadas mor- rem e, diariamente, renascemos revigorados. Isso nos remete à ideia de que não pode haver vida sem mortes; extraímos do mundo invisível as forças para viver no mundo visível, o mundo dos sentidos.
Carregamos nossa porção física e espiritual ao mesmo tempo e também precisamos entrar em contato com nosso elemento espiri- tual; isso acontece todas as noites. Portanto, somos estes cidadãos de dois mundos e é à noite que nos conectamos às esferas espirituais ou a Maya, para o budismo. Do ponto de vista da neurociência, entre o estado de sono REM, o sono profundo ou paradoxal, e o estado de vigília, existe o estado de sonho; o sonhar fica entre o momento da transição da mente consciente para a mente inconsciente. Este é momento que circuitos cerebrais que não se fecharam na mente consciente podem se fechar.
Seja do ponto de vista científico ou espiritual, devemos cultivar uma vida para a higiene do sono. Fazer uma verdadeira entrega dos pesos do dia a dia, através de práticas de contemplação, nas quais pode- mos refletir sobre nossas atitudes perante o outro e o nosso ambiente. Da mesma maneira, devemos firmar intenções de renovação e de ins- piração, para que o sono nos brinde com sabedoria ao acordarmos, com nosso sistema neurossensorial e corpos revigorados.
Podemos ainda tecer um paralelo com a retrospectiva da nossa biografia, no momento logo após a morte. Se toda noite vivemos uma pequena morte, temos diariamente a oportunidade de revisar nossas atitudes, rememorando e firmando intenções de atitudes mais conscientes para o futuro. Novamente, podemos fazer escolhas diante de nossa vida. O ritual da entrega para o sono é confiar na sabedoria do mundo espiritual, nas forças superiores. Rudolf Steiner propõe que este exercício seja feito diariamente. Antes de dormir, fazemos a retrospectiva, começando pelo momento de dormir, percorrendo o dia, de maneira a chegar novamente na manhã. Ele ainda dizia que não devemos tomar nenhuma decisão importante sem antes “levá-la para o sono” e aguardar os insights ao acordar; estes estariam permeados pela inteligência espiritual. Novamente tecendo paralelos, nossa capa- cidade criativa também sofre influência do sono; durante nosso dia, dependendo do nível de estresse e descargas altas de cortisol, temos uma influência direta sob nosso poder de criação. Portanto, educar o sono também atua nessa esfera da criatividade.
Podemos acrescentar um algo mais durante a retrospectiva tente colher o que chamo de “pedras preciosas” do seu dia. São os momentos de gratidão por receber algo, mas também por ter aprendido algo, por exemplo. Mais do que isso, as pedras preciosas são tudo aquilo que contribui para nos tornarmos seres humanos melhores.
Criando esse hábito em sua vida você poderá cultivar em seus filhos, lembre-se da imitação em tudo. A religião depende de escolhas e crenças familiares e apenas em certa altura da vida nossos filhos pode- rão verdadeiramente seguir uma crença, mas o cultivo da religiosidade e espiritualidade é feito diariamente.
A segurança da conexão com algo maior começa em pequenas coisas, a entrega e confiança de que existe algo além de nós é feita diariamente. Nossa busca por nos tornarmos seres humanos melhores, mais gratos, humildemente aprendendo sempre e buscando fazer o bem para as pessoas ensina o mesmo para nossos filhos.
Para a criança, o momento do sono é o período de maior distan- ciamento dos pais e normalmente gera protestos. Mas, às vezes, vemos crianças com dificuldade além do comum na hora de dormir, como se realmente fosse uma grande separação. Medos como este refletem esta- dos ansiosos dos pais e um olhar para este tema pode ajudar a criança a restabelecer uma relação mais tranquila com o momento de dormir. Da mesma forma, observe como as crianças acordam bem-hu- moradas, como se estivessem voltando de uma viagem deliciosa. Este estado de plenitude deve estar presente em toda criança ao acordar, sinal de que está revigorada e alegre pelo reencontro com o mundo espiritual.
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