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Afinal, uma morte pode traumatizar uma criança?

Tempo de leitura: 5 min

Uma escrita, muitas formas de consumi-la.

Afinal, uma morte pode traumatizar uma criança?
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A temática da morte tem diferentes impactos em um adulto e em uma criança. No caso da criança, a dor da perda é, muitas vezes, um reflexo do medo do desconhecido, que é potencializado pela dificuldade dos pais darem significado ao acontecido. Assim, primeiramente, teremos que olhar para nós mesmos diante do luto e ressignificar as ideias que criamos ao longo da vida sobre a finitude do corpo.

Inconscientemente, é muito comum que adultos transfiram o entendimento sombrio sobre o fim da vida para os filhos. Estas e outras condições podem gerar ideias que se tornam verdadeira crenças ao longo da vida da criança e permanecem até a vida adulta. Contudo, é importante ressaltar que o trauma não é criado pelo fato em si, mas pelo fato de ficarmos sozinhos com as emoções difíceis, ou seja, a forma com que os pais lidam será preponderante para a instalação de um trauma. Segundo o autor e médico húngaro-canadense Gabor Maté, o trauma desconecta o indivíduo do ser, desconectamos quando é um muito doloroso ser nós mesmos. É assim ele conceitua trauma e sua correlação com o desenvolvimento infantil. 

Para a psicoterapeuta inglesa especializada em trauma Sunita Pattani, existem ao menos dois timos de trauma, o trauma com “T” maiúsculo e “t” minúsculo”. Enquanto o primeiro é gerado por violências como abuso, agressões e perdas repentinas, o segundo corresponde a situações frequentes ou eventos marcantes de aparente baixa intensidade, mas que causam profundos impactos emocionais. Mais relevante do que trauma em si, é como o nosso sistema nervoso autônomo responde. Permitir que a carga emocional se dissipe é fundamental para que esta carga energética não fique estagnada no corpo, este é um dos princípios da Experiência Somática, técnica difundida por Dr. Peter Levine, psicólogo e PhD em Física Médica pela University of California.

O trauma gera sensações como dor, sofrimento e de energia não dissipada, que podem, inclusive, se manifestar em for a de dor física. As doenças psicossomáticas atuam neste nível. Portanto, a dor é um dos componentes do processo traumático e por isso é importante acolher a criança/jovem, permitindo que ela expresse esta estagnação energética; e isso pode vir na forma de descargas emocionais, ataques de raiva, gritos  tremores e até  espasmos. É o corpo tentando colocar para fora o turbilhão interior.

Assim,  antes de iniciar a conversa sobre a finitude, é importante nos prepararmos, buscando oportunidades de expressarmos nossas próprias dores porque é a partir daí que estaremos minimamente preparados e disponíveis para as demandas emocionais das crianças. A consciência de que também sentimos dores e de que, antes de pais, somos seres humanos desempenhando múltiplos papeis – onde apenas um deles é a parentalidade- coloca a relação parental em um nível além do emocional, mas também, espiritual. 

Ainda, quando adultos têm a oportunidade de trabalhar este temas primeiramente em si, podem ganhar ganha consciência sobre a criança que eles também foram. Com isso, abre-se a possibilidade da compreensão sobre as próprias crenças e valores que regem suas vidas hoje. A partir disso, pode aflorar um sentimento de autocompaixão sobre suas próprias emoções,  validando cada uma delas. Essa atitude de coragem em mostra-se vulnerável para si mesmo, em uma linguagem não verbal, também mostra para as crianças que, mesmo sendo pais, são seres que sentem a vida e suas emoções e isso libera a criança para manifestar as suas próprias também.

Ao lidarmos com naturalidade sobre a morte, ajudamos a criança a lidar com  duas angústias inerentes à vida humana: medos de separação e perda dos progenitores. Temas naturais que nos acompanham desde o nosso segundo setênio de vida – quando, pela primeira vez, a criança começa a questionar de onde veio e o medo de perder os pais e ficar sozinha no mundo é comum. Momentos  dramáticos mas que fazem parte do desenvolvimento humano. Nessa fase, que ocorre por volta dos nove anos, a criança vive, de certa forma, uma “pequena morte”, ao deixar para trás uma fase da sua infância e entrar na puberdade. 

Adultos que conseguem ter coragem de olhar para este tipo de tema, considerado tabu, estão ajudando a criança a construir novas imagens sobre o que é morrer;  o que gera medo natural, mas, também, carrega a imagem da passagem para algo novo. Essa visão mais ampliada  dos pais, sobre esta temática tão humana, faz com que a criança possa, no futuro, ter mais consciência sobre si mesma na  na vida adulta.  Afinal, quando nos autodesenvolvemos, ajudamos nossos filhos a crescerem de forma livre. Entender que, como a natureza, descrevemos um ciclo no tempo, conecta-nos com nossa verdadeira essência, que, antes de humana, também é espiritual. 

No processo saudável de lidar com o tema morte com crianças, podemos devemos incluir espaço para a escuta, presença, gestos e a memórias. Os responsáveis devem mostrar para as crianças que é permitido falar e lembrar de quem já morreu. Muitas pessoas desestimulam falar sobre parentes, irmãos abortados ou pessoas falecidos, fazendo  do tema algo velado. Este espaço de silêncio não só gera receio nos menores, que percebem o quanto o assunto desestabiliza os mais velhos, quanto cria uma barreira que pode alimentar a sensação de que aquele que se foi possa ser esquecido. Mas é possível mostrar para a criança que aquele que se foi, de forma física, continua existindo em nossos corações.

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