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Como abordar o tema da finitude com crianças de diferentes idades?

Tempo de leitura: 9 min

Uma escrita, muitas formas de consumi-la.

Como abordar o tema da finitude com crianças de diferentes idades?
Eu leio para você…

Devemos pensar na perda enfrentada pelas crianças sempre como algo delicado e digno de atenção. Elas também precisam de apoio e a dos pais ou figuras de referência representam segurança para que elas lidem com o luto. Mas para que esta tarefa seja possível, os adultos também precisam de atenção sobre seus sentimentos e própria dor.

Durante a escrita do livro “A mala do Opa”, que narra a história de Helena e de minha família ao lidarmos  com tema da  morte do avô paterno (Opa, em alemão), de certa forma, vivi um grande processo de ressignificação de todas as minhas memórias sobre morte. Ali, não apenas escrevia para crianças, mas para mim mesma. Precisei cuidar das dores e inseguranças da criança que eu fui para que encontrasse uma maneira de ajuda-las. Assim, acho tenho conseguido ser melhor suporte para minhas filhas sobre este tema que sempre atravessará a vida de todas famílias, de uma forma ou outra. Somente ao cuidar do que não nos é possível “dar conta” é que poderemos encontrar recursos internos ou apoio externo para nos dar suporte e poder, posteriormente, dar apoio aos filhos. A maior dificuldade, talvez, seja porque na maioria das vezes (quando a vida obedece seu curso natural, onde os mais velhos partem antes dos mais novos), lidar com a morte significa lidar com perda de figuras importantes para nossa própria infância: avós, que representaram o lado doce da vida, pai e mãe, dos quais seremos eternos filhos, ou ainda tios, que trouxeram referências importantes. Portanto, ao lidar com estas perdas, no fundo, estamos lidando com a dor da nossa própria criança.

A forma como percebemos e vivenciamos as experiências muda em cada etapa da infância/juventude, assim, a  forma como devemos abordar questões-chave da existência  humana, da qual morte é parte, também exige diferentes abordagens. De acordo com a filosofia antroposófica, que é a base da pedagogia Waldorf e fonte de fundamentação para o modelo de Parentalidade Essencial, é importante conceituar o crescimento a partir da ideia de setênios,  períodos de sete anos através do qual se desenrola a biografia humana. Entende-se que todos os seres humanos precisam de 3 setênios para alcançar a autoconsciência, e que cada setênio está ligado mais fortemente a um aspecto do desenvolvimento, que inclui aspectos físicos, emocionais e espirituais. Assim, as abordagens para cada período de maturidade são diferentes :

  • Até 07 anos de idade (primeiro setênio): os pais não precisam falar explicitamente sobre morte com as crianças porque elas ainda não elaboraram as perguntas certas . Se a criança consegue verbalizar a falta, é possível levar a atenção da criança aos momentos bons que passou com a pessoa querida e pedir sugestões de coisas que podem fazer para manter aquela memória viva dentro do coração. Podemos nos surpreender com significados que elas podem trazer para o luto.

Nos primeiros 3 anos, a criança pouco percebe diferença entre vida e morte e transita entre estes mundos. Nesta idade os pais podem trazer o contorno da natureza para falarem de começos e fins e falar a partir de metáforas e alegorias. Um exemplo é citar as estações do ano: como a primavera traz a vida, já que vemos o florescer. O inverno, experienciado pelos galhos secos, fala de morte não um fim, mas uma pausa onde a natureza se recolhe em si para voltar mais forte na próxima estação, por exemplo. Ainda, no  próprio corpo, percebemos que estamos sempre renovando e vendo nascer e crescer: unhas, cabelos e pelos, exemplos de como a vida é cíclica.

O período em que dormimos pode ser uma oportunidade para demonstrar como a vida é o intervalo entre os dois ciclos. Se ao dormir, desconectamos, quando acordamos todas as manhãs, estamos cheios de vida em recomeços diários. Uma boa atitude dos adultos é passar um tempo a mais com a criança cedinho ou na hora de dormir.  Nestas horas, logo que acordam ou  pouco antes de dormir, são momentos em que  elas estão mais permeada pela aura espiritual, exatamente pela proximidade com a hora do sono. Portanto, não é raro que  que tragam palavras, canções, lembranças ou falas que nos mostram uma sabedoria que não é infantil. Algumas crianças relatam coisas que não seriam capazes de saber pela pouca idade ou porque, em alguns casos, os pais nem contaram sobre o luto ainda, mas  elas nos surpreendem porque parecem “saber de algo” a mais. E na verdade sabem, as crianças estão muito permeadas pela sabedoria divina e , se dermos espaço, elas podem expressar o que vem deste reino. Neste momento, incrivelmente, apesar de preocupados com a criança, são elas que confortam os pais por sua serenidade.

  • Dos 07 aos 14 anos de idade (segundo setênio): já chegando na fase da adolescência, os menores estão vivendo uma crise de sentimentos natural da idade. Os dilemas desse período fazem com que a perda tenha um impacto sobre seu universo das emoções, fazendo com que se sintam mais tristes, melancólicos ou agressivos. Talvez alguns queiram conversar, outros ficam mais retraídos, e não há nada de errado, antes de julgar ser um problema ou um trauma instalado,  é preciso perceber o temperamento de cada criança individualmente.
  • Dos 14 aos 21 anos de idade ( terceiro setênio): nesta idade, o jovem vive um momento de emancipação e afastar-se dos pais é um movimento bastante natural. Para os pais, é preciso saber transitar entre o acolhimento e o espaço da individualidade. Portas fechadas não são, necessariamente, sinal de depressão, talvez ele apenas precise que batam na porta antes de entrar pois não querem que o vejam chorando e está tudo certo. Com a idade, a tônica do temperamento fica mais evidente, assim como são adicionadas camadas de qualidades que o individualizam cada vez mais. Nesta fase, você já sabe se eu filho é mais expansivo ou introspectivo; este será o balizador para saber se ele está lidando bem com a perda ou não. E se conversar já é um jeito de ser dele, será mais natural que ele expresse em falas, caso nunca tenha sido, talvez essa expressão virá no corpo, com sinais de  irritação, agressividade, impaciência e raiva. Acolha o que vier, verbal ou fisicamente como forma de expressão e não como ofensas pessoais. Ainda caberá aos pais mostrar os limites onde esta expressão possa ocorrer, mas a autoridade pode ser oferecida com empatia e amorosidade.

Mas o importante, em qualquer setênio, é o estado de abertura para saber escutar o que a criança ‘não diz’; afinal, não apenas a linguagem verbal comunica. Um silencio pode significar um vórtice emocional muito grande internamente e somente neste estado de presença na relação permanecemos abertos para escutar o que o coração da criança quer nos contar.  Melancolia,  regressão comportamental, tristeza, irritabilidade, ansiedade e mudanças comportamento podem estar falando de dores emocionais. Uma outra coisa é o tempo, muitas crianças demonstram comportamentos tardios em relação à data da  perda em si. Muitas passam, aparentemente, sem se importar com o luto e, momentos depois, a carga emocional vem à tona. Nós, adultos, temos um tempo e processo de elaboração diferentes para as emoções. Aliás, esse é o exercício diário da parentalidade, entender e respeitar o tempo da criança e assisti-la em sua necessidade em cada etapa da vida.

Também,  é compreensível que os pais, também em sofrimento por causa de uma perda, não se sintam em condições de em ser figura que representará este porto seguro. Nestes casos, amigos ou parentes podem cumprir esse papel, que também pode ser delegado a um profissional em casos de maior preocupação. Cada caso e contexto devem ser avaliados individualmente. Afinal, entendimento sobre a morte é complexo; assim como é o entendimento sobre a vida em si. A maior tranquilidade que podemos dar aos filhos quando se trata de lidar com os ciclos da vida, é acolhemos a nossa dor e as deles. Acolher é estar de forma inteira e ser verdadeiro, é validar o que os filhos expressam, seja por meio de fala, gestos, atitudes e compreender comportamentos diferentes do comum, como suportar uma crise de raiva, birra ou mau humor, mas com empatia. Afinal, perder alguém que amamos quando não temos capacidade de compreender dá raiva, frustração e até mesmo sensação de ter sido abandonado pela pessoa que partiu; ou ainda, na cabeça infantil, a partida daquela pessoa pode passar pela falsa ideia de que ela, a criança, não foi boa o bastante em algo, auto responsabilizando-se.  Pode parecer absurdo, mas não é para uma mente ainda em construção. Por isso, a atitude do adulto de falar sobre os próprios sentimentos e impotências diante da perda são formas de auto validação que  também autorizam a criança a sentir coisas ruins dentro dela e expressa-las. Nesta hora, ela encontra ressonância com outros e o fato de compartilhar a dor, alivia a sua carga. Caso o adulto não abra o espaço para expressão, começando pelos seus próprios sentimento, ela pode ter mais dificuldade em expressar os dela, ou achar que existe algo errado no que está sentindo; ainda, pode supor que, se falasse, poderia trazer mais dor à família. E assim, ela se cala, mas seu coração grita em silêncio.

O mais importante a saber é que crianças vão assimilar o que os adultos têm a oferecer, e se dentro deles mora medos e incertezas sobre a morte, é isso que estão comunicando. Mas acredite, mesmo os medos podem educar se forem colocados no lugar certo. Isso acontece quando somos  honestos conosco e validamos de forma genuína este tipo de sentimento. Ainda, podemos mostrar que, apesar do medo, temos coragem para seguir frente, mesmo sem controle sobre o futuro e que, apesar da dor, buscaremos novas formas de fazer aquele que partiu permanecer vivo dentro de nós. Construir com a crianças/jovens novos significados e ideias para manter a memória do ente querido viva na família, construindo novas narrativas, pode trazer conforto, inclusive, para quem não é mais criança. Este pode ser  um exercício valioso onde, ao ouvi-los,  abrimos espaço de escuta para uma sabedoria inata que, na criança, é presente o tempo todo. A criança traz a voz do céu para a Terra e só precisamos aprender como escutar. Este é o trabalho que proponho na Parentalidade Essencial.

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