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16. Como surge a memória na criança

Tempo de leitura: 4 min

Uma escrita, muitas formas de consumi-la.

16. Como surge a memória na criança

POR CAMILA CASSIA CAPEL

A capacidade de pensar, que começa a se formar na criança por volta dos três anos, traz consigo outras capacidades, a lembrança e a memória. Karl König, de acordo com as explanações de Rudolf Steiner, trata da tripla transformação da memória: memória localizada, memória rítmica e memória cronológica

Na língua alemã existem palavras claramente indicativas destas três formas de memória. 

A primeira palavra, merken significa notar, marcar e tem a conotação de “marcar” algo na mente, indicando um sinal, uma marcação. 

Besinnen significa recordar, é derivada de sinnen (refletir, meditar), significa “re-pensar”, em alemão: be-sinnen. No som musical, está contido um elemento rítmico que, do íntimo meditar (sinnen), se transforma no cantar (sinngen). A ele, se relacionam o canto (der Sang) e as lendas (die Sagen), epopeias recitadas ritmicamente que despertam a memória rítmica do ouvinte. 

A terceira palavra é erinnern, que significa lembrar: o que é depositado no íntimo (inner) da alma vem à tona como “lembrar”,” ir buscar no interior” (Er-Innerung). É esta forma de memória que todos conhecemos. Portanto, podemos falar em três etapas relacionadas à memória: perceber, recordar e lembrar.

Durante o primeiro ano de vida, a criança está quase que completamente preenchida pela lembrança localizada. Ela a vivencia no rosto da mãe, quando aparece; quando a irmã se debruça no berço; quando claridade e escuridão se alteram. São sinais de fora que modelam as bases do perceber.

No segundo ano, com o surgimento da linguagem, as palavras recém aprendidas são repetidas até o cansaço e novos movimentos são continuamente reproduzidos. O livro ilustrado é revisto mil vezes, os sons aprendidos são retransmitidos, e ela pede a mesma história várias vezes. Neste período, a criança é como que possuída por um ritmo, a repetição. A memória localizada é ampliada, alguns lugares são procurados com alegria e outros evitados por medo, pois ela associa lembranças a suas experiências. 

Então surgem os indícios da terceira forma de memória, relacionada à capacidade de percepção e de consciência. Agora, a criança é capaz de guardar o que lhe transmitem, e se torna mais sensível às advertências e ensinamentos. Antes disso, grandes explicações não são tão eficazes. Esta fase traz consigo a força da reflexão: por volta do terceiro ano a criança recorda as primeiras imagens do passado; é quando, pela primeira vez, a criança se denomina pela palavrinha eu, apresentando-se na primeira pessoa do singular. 

Segundo Boris Cyrulni, no livro A Psicoterapia de Deus, “Quando surge a palavra, a sonoridade verbal representa um objeto que se distancia gradualmente. No segundo setênio, é uma narrativa que provoca emoções: choramos quando contam que nossa mãe teve uma infância infeliz, sentimos angústia do vazio quando pensamos que não há nada depois da morte, como se fosse um imenso poço sem fundo. A palavra tem tanto poder de distanciar as representações que ela amplia o mundo mental. Primeiro designa os objetos do contexto, depois os que não estão presentes, mas que sabemos existir em outro lugar, depois ela designa um mundo invisível cheio de representações. Para além da experiência sensorial, ela faz existir um mundo de emoções intensas. O poder do imaginário que nos faz chorar no teatro ou nos comove quando lemos um romance…”

Não acessamos memórias anteriores a esta fase próxima dos três anos de idade; elas existem, mas são inconscientes; apenas com os primeiros sinais da manifestação do eu é que se dá a chegada ao reino da consciência humana e o passado começa a surgir lentamente.  Assim, por volta do terceiro ano, a criança forma a moldura para as vivências de sua personalidade por meio da memória. É quando surgem, também, a lembrança imaginativa e a força para a fantasia.

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