Abril vem chegando e o clima começa a mudar completamente. Se em março, ainda tínhamos a dúvida sobre qual estação estávamos de fato, abril bate à porta com a chegada do outono. Entramos num período mais frio e a paisagem nos mostra recolhimento e morte, folhas secas ao pé das árvores falam de algo que não serve mais para nutrir aquela planta. Como sempre, esse é o convite espiritual que a natureza carrega em si. É preciso entregar, deixar ir o que não serve mais para nossa própria nutrição, não apenas física, como emocional, mental e espiritual.
Mas quão difícil é abrir mão de algo que julgamos ser nosso: nossos pensamento, nossos sentimentos, nossas emoções… nos identificamos tanto com eles que passamos a sê-los e esquecemos que a esfera humana inclui outro elemento além desses que são exclusivamente humanos, como as emoções e o pensar; estes dois nos fazem criar mundos dentro de nós mesmos e vivermos como se eles fossem a única verdade. Mas carregamos um elemento espiritual que se sobrepõe a todas esferas humanas e é para ele que a vida sempre nos convida a olhar principalmente quando o externo esfria e nos chama para nos recolhermos para dentro de nós mesmos.
A capacidade de pensar que o ser humano o coloca em uma relação de individualidade, à medida que ele vive e se relaciona, recebendo estímulos sensoriais, por um sofisticado sistema, tais estímulos correm por impulsos nervosos que chegam ao cérebro e imediatamente começam a avaliar e organizar a vivência externa, categorizando, comparando com outras já vividas e colocando em uma hierarquia que o fará gerar uma pensamento, uma cognição e, se isso ocorrer bem, gerará uma resposta ao meio. Essa simples descrição fala do funcionamento das emoções e como agimos no mundo a partir do que sentimos. Já os sentimentos são os nomes que nossa mente, após a cognição, gera para se organizar.
Assim, entendemos que as emoções entram em nós a todo momento a partir dos órgãos sensoriais e estamos, a todo instante, julgando internamente para onde ela deve ir e que resposta devemos dar ao que sentimos. Perceba que tudo isso ocorre em milésimos de segundos e muito dentro de nós, portanto, é naturalmente, um processo que tem como marca um egoísmo. Eu me relaciono com o externo, mas entro em mim para elaborar e poder responder.
Aliás, é esse o papel das relações humanas. Diariamente, somos chamados a qualquer tipo de convívio social e, com isso, somos chamados a exercitar qualidades nobres como compreensão, paciência, empatia, resiliência e muitos outros. Todos os dias somos confrontados com situações onde temos que sair de nossa individualidade e vermos pontos de vista diferentes dos nossos, olhar além dos nossos limites estreitos e sob a perspectiva do outro. Neste momento, a tendência natural do pensar humano, de voltar-se para dentro, tem o desafio de voltar-se em direção ao outro, percebê-lo também em sua individualidade. Mas por que este processo não acontece de forma tão simples?
É que quando entramos com as sensações do mundo interno para nossos interior, o pensar se confronta com outras sensações, algumas delas, por exemplo: insatisfação – não gosto do que estou ouvindo; mal estar – o que percebo me gera sensação ruim no corpo; frustração – o que ele me fala não alcança o que eu espero; medo – não sei lidar com essa situação e isso me deixa inseguro… esses são alguns dos exemplos do universo que reina em nós quando estamos nos relacionando uns com os outros. Enquanto você está atent a essas informações, provavelmente dentro de você, tudo isso está acontecendo, sem que você se dê conta.
E quando as relações que experimento me trazem muitos confrontos, podemos nos tornar rígidos. Esta rigidez impede que vejamos o ponto de vista do outro, que flexibilizemos, porque não queremos abrir mão dos nossos pontos de vista com medo de que isso seja uma porta para que o outro nos invada ainda mais e assim, nos fechamos cada vez mais em nossos próprios pontos de vistas e acentuamos a característica egoísta.
Mas esta percepção, de que outro nos invade, é falsa. Afinal, ninguém tem o poder de nos invadir quando nosso espaço interno está preenchido por nós mesmos. Mas podemos nos sentir invadidos quando, internamente, sentimos um vazio, uma carência, ou sensação de falta. Neste momento, qualquer um pode chegar e “tomar nosso espaço”.
Daí entra a nutrição espiritual, quando nos conectamos não apenas com o que percebemos e sentimos através de emoções, mas encontramos algo que preencha esse espaço interno. Dessa forma, quando o mundo chega, encontra lugares cheios de confiança, autoestima, plenitude, integridade, sentimos um lastro emocional tão forte que o exrteno deixa de nos abalar com tanta violência.
Mas como preencher um espaço que ainda desconheço dentro de mim? Entrando nele!
E é isso que estamos, anualmente, sendo chamados quando as folhas caem e o tempo esfria; colocamos roupas que nos escondem mais, os alimentos aquecem dentro, tornando nosso corpo mais agradável por dentro, a euforia do verão cede lugar a uma melancolia (que é saudável) que faz com que fiquemos mais sensíveis aos estímulos. Tudo isso fala em guardar algo, em retrair-se para buscar um espaço interior.
E a partir desse primeiro contato para o qual somos chamados, começamos a preenchê-los com autocuidado, alimentos mornos e mais untuosos, cremes mais gordurosos e hidratantes, roupas quentes, confortáveis, mas também, podemos nos preencher com boas informações, conversas produtivas, boa música, bons livros, é nossa pedida para ser embalada e cuidada.
Neste estado de flow, a vida vai sendo interpretada de maneira mais leve do nosso “lado de dentro”. Ficamos mais receptivos para enxergar o outro, sem barreiras de autoproteção que, na verdade, impedem que relações humanas verdadeiras possam acontecer.
Camila Capel
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