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O que é autoconhecimento?

Tempo de leitura: 10 min

Uma escrita, muitas formas de consumi-la.

O que é autoconhecimento?

Em um época onde autoconhecimento e busca pela nossa essência são temas tão disseminados, corremos um risco: desgastar tanto as palavras, que se tornam vazias de seu sentido. Auto-conhecer, conhecer a si mesmo,  a autoconsciência consiste na capacidade única, que apenas o homem possui,  de pensar sobre si. Graças a isso, não vivemos como animais, que apesar de seres extremamente inteligentes e até dóceis (em alguns casos), têm em seus instintos, o máximo de sua evolução. Possuímos algo a mais além do reino mineral, vegetal e animal, pertencemos a um reino que têm uma habilidade diferenciada, a do pensar, característica que nos eleva ao patamar do reino humano.

O pensar humano nos faz ter percepção não apenas do nosso mundo interno mas, também, a percepção do outro, e isso é o que torna a construção de uma sociedade possível. O ser humano é gregário, sua falta de capacidade de sobreviver sozinho, obriga- o a procurar pares; e o que era até então necessidade, torna- se um habilidade, a de criar vínculos. Ou seja, uma necessidade nos movimentou em direção a uma nova maneira de viver. Podemos entender que a necessidade trouxe uma mudança da qual até hoje nós nos beneficiamos, afinal, estamos inseridos em um contexto social, econômico, cultural e até ético, graças a isso.

Com o autoconhecimento não é diferente. Parece existir uma necessidade nova na vida das pessoas, elas querem entender o porquê das coisas. As respostas rasas não completam a “charada”, um corpo são não parece mais suficiente, a mente também quer ser e percebemos que por mais que o dinheiro até possa “mandar buscar” felicidade, o vazio não acaba. Entendemos que não precisamos mais de carros ou casas para dizer que temos algo; o mundo é do metaverso e as realidades não são apenas materiais. Quando o mundo se transforma na velocidade da informação que nele circula, percebemos que a verdade precisa ser procurada em lugares menos voláteis…

Esta é a necessidade que move a humanidade hoje, a busca por porto seguro, algo que permaneça, um lugar para onde correr quando tudo parece muito fugaz. Este é o desafio da nossa era, ganhamos a liberdade e, junto com ela, a responsabilidade. Para isso, precisaremos fazer escolhas. O aumento de possibilidades nos tira dos limites seguros, temos que ter discernimento e saber para onde seguir, por nossa conta e risco! E por mais que este seja o caminho do desenvolvimento, sentimos medo deste desconhecido que vem junto com a liberdade. Talvez esta seja a nova necessidade humana, a busca por algo que transcenda, que permaneça, algo que traga a segurança de que existe uma força maior do que nós e que rege toda esta bagunça que vivemos. Apenas esta confiança nos faz viver saudáveis em uma sociedade doente.

Existe um caminho?

Mas qual é o caminho para conhecer este imutável, esta força, energia ou como queiramos chamar? Se o que experienciamos pelos órgãos dos sentidos caracteriza a mundo físico, para conhecer o que não é físico, de maneira dedutiva, podemos entender que precisaremos nos abster dos nossos órgãos de percepção que nos ligam com o exterior e aprendermos a desenvolver novos órgãos de percepção, aqueles que nos ligam ao interior.

É esta a proposta que o autoconhecimento nos propõe, desenvolver o olhar para dentro, para o não visível com os olhos, mas percebido pela alma; aquilo que nos toca, emociona, aquece e preenche. Mas esta é uma jornada solitária, seu caminho a trilhar. Ainda que possamos andar ao lado de outros, parafraseando Caetano Veloso, ninguém saberá a dor e delícia de ser quem você é. O que é simples na visão de quem está de fora, pode ser uma drama interior. Mas a vida contém sua sabedoria, e ela sempre trará os desafios certos para acordar nosso maiores dons, ainda que isso possa ser confundido por problemas, sofrimento, doença…acredite, todas estas, são apenas maneiras de nos fazer sentir uma necessidade nova, porque são as  necessidades que nos movimentam em ações diferentes.

Busca pelo equilíbrio

A evolução esta intrinsicamente ligada a movimento; aquilo que está parado, está morto. O próprio equilíbrio, igualmente difundido na geração wellness, é resultado de uma oposição entre força e contra- força, um jogo quase invisível, mas que gera um desequilíbrio rápido, que precisa ser igualmente compensado pelo reequilíbrio imediato, num movimento constante e  intenso. O mais interessante é apesar de estar em constante movimento, há uma aparente inércia e sensação de equilíbrio quando estamos dentro dele.

Podemos pensar que todo desequilíbrio, portanto, gera um movimento oposto, o do equilíbrio, e neste jogo, está a vida. Todo o caos passa a ganhar novo sentido quando o entendemos como possibilidade de encontrar um novo estado, a partir do RE- equíbrio. Transitar neste espaço de polaridades é, literalmente, o caminho do meio. Apenas neste espaço, podemos não ser nem bons, nem maus, nem certos, nem errados, podemos ser apenas seres humanos em busca de sua própria verdade. O que é certo para um, pode ser extremamente errado sob o ponto de vista do outro e isso não significa que exista uma única verdade. Somos seres individuais dentro de uma espécie única; e saber como exercer nossa individualidade dentro deste contexto, é um grande desafio que só pode ser alcançado à medida que conheço mais de mim mesmo. Emoções, medos, desejos, as diferentes nuances disso é o que nos torna diferente dos demais, únicos. Quando nos apropriamos desta verdade, entramos em contato com nossa essência.

O preço de sermos autênticos

Todos nós desejamos alcançar, internamente, este lugar autêntico, onde podemos expressar quem realmente somos, nossas opiniões, colocando nossas vontades em ação. Ao mesmo tempo, temos enorme medo de não sermos aceitos se mostrarmos tudo que guardamos tão escondido. Por isso, este tema é tão paradoxal, o tamanho da vontade de ser quem somos é proporcional ao medo de experienciar a possibilidade de nos mostrarmos de forma real. Por isso, escondemos uma parte, como defesa da nossa vulnerabilidade. Afinal, será que o outro vai me aceitar se mostrar o que realmente penso? Será que meu relacionamento dura se colocar de forma verdadeira o que sinto? Será que minha família vai me amar se eu expressar minhas reais necessidades? Aquelas além das que considero aceitáveis dentro de um papel onde eles me enxergam e que carrego ocultas dentro de mim? Será que terei amigos se falar o que penso? É este tipo de medo que impede o contato com nossa essência. Abafamos nossa verdade por medo de ficarmos sozinhos, tememos a solidão…

O nosso cérebro possui uma hierarquia para lidar com os fatos; é ela que nos faz aguentar o emprego insuportável ou permanecer em um relacionamentos, nos faz segurar um xingamento quando queremos mandar alguém a merda. Ela nos freia para que nossos “interesses”  fiquem protegidos. Os interesses que estão mais alto na nossa escala de valores, são defendidos por unhas e dentes em nossa mente, mesmo que nosso coração padeça. Para um pai de família, por exemplo, pagar as contas da casa, que estão ligadas à sobrevivência, fazem com que  ele suporte coisas que, teoricamente, não suportaria, como humilhações de um chefe. São interesses que fazem uma mulher, mesmo infeliz em uma relação, permanecer, porque manter uma família traz a segurança, que está no alto da sua escala de necessidades.

Não há dúvida, o caminho da própria essência é um caminho solitário, teremos que correr riscos, o de não sermos aceitos, de sermos julgados, de nos acharem egoístas, mesquinhos… e nossa mente, na maioria das vezes, não está preparada para lidar com isso, por isso nos sabota o tempo todo, para que continuemos vivendo o mesmo padrão, as mesmas situações, ainda que sejam extremamente desconfortáveis.

Mas de onde vem a prisão

Crescemos sob certas circunstâncias, sentimos medos, dores, solidão, e aprendemos a lidar com todas as emoções com os recursos que uma criança tem disponível, ou seja, escondendo sua vulnerabilidade. O mecanismo que ela usa é o de deslocar necessidades viscerais por necessidades secundárias. Foi assim, lá no início da vida que, muito cedo, aprendendo a perder o contato nossa essência. No limite, não sabemos exatamente o que precisamos e por isso fazemos pedidos deslocados para que os outros preencham nosso vazio existencial. Mas como vamos nos sentir inteiros se não sabemos o que nos falta? 

Foi  exatamente por isso que a Parentalidade Essencial nasceu, a proposta de um caminho de autoeducação. Porque se queremos educar bem nossos filhos, primeiramente, precisaremos resgatar a nossa própria crianças e suas necessidades que ficaram para trás.

Portanto, não há como falar em essência se não ousarmos adentrar neste local misterioso e profundo, do contrário, falaremos de algo extremamente profundo de um lugar muito superficial. Se você deseja seguir esse caminho, já adianto:  há como ser quem realmente somos sem desagradar alguns! Esta é a maturidade exigida para se viver de forma livre. Teremos que desobedecer as regras que aprendemos desde que éramos crianças, como: eninos não choram e sempre são fortes; meninas brincam de boneca e casinha e são boazinhas; nunca diga que não gosta de algo, aceite e agradeça; divida suas coisas, mesmo que não queira; é preciso ser o melhor aluno para ganhar estrelinhas no caderno; é feio sentir raiva; criança bem educada obedece sempre e não reclama; crianças mal criadas acabam ficando sem amigos…e podemos acrescentar tantas outras….

A meia idade

Na biografia da vida humana, olhamos os ciclos que nos acompanham de sete em sete anos. Na fase entre 35 e 42 anos o ser humano entra na fase da autoconsciência e uma necessidade latente pode explodir com força e perguntas existenciais costumam rondar seus pensamentos: eu cheguei aonde queria? Se não cheguei, ao menos estou no caminho? Dependendo das respostas, nesta fase, pode estourar uma crise existencial importante, a famosa “crise da meia idade”- ainda que o nome seja ultrapassado, ela fala exatamente de um limiar de consciência que se aproxima por volta dos quarenta anos. Uma fase dramática, mas onde reside uma grande chance de transformação e de encontro consigo mesmo.

Penso que o caminho do autoconhecimento é buscar esta liberdade de ser quem se é, com a consciência do nosso  próprio ser e usando nossa intuição como guia. Isso requer o desenvolvimento de um outro tipo de cognição, podemos usar o nome que  Rudolf Steiner usava, cognição imaginativa, a possibilidade de enxergar além dos olhos físicos e enxergar com os olhos do espírito, ganhando a capacidade de discernimento para nos relacionamos a partir da essência das coisas.

Você lembra de alguma crença que aprender na sua infância? Perceba se estes condicionamentos, mesmo que inconscientes, regem sua vida, ainda que venham disfarçados com novas roupagens. Não há um caminho seguro, não há garantias de que tudo permanecerá igual quando mudarmos alguma maneira de agir. Ao mesmo tempo, o peso de viver sob certos condicionamentos pode se tornar uma prisão. Pergunte-se: eu realmente sou livre?

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