Falar em brincar não soa estranho para ninguém: afinal toda criança brinca! No entanto, na Antroposofia falamos no brincar livre, base da Pedagogia Waldorf.
Segundo a Pedagogia Waldorf, esse brincar livre é a oportunidade que a criança tem de se expressar livremente, brincando a partir de si mesma, sendo visto como o maior e o melhor estimulante para o desenvolvimento infantil saudável.
Com base nisso, fica a cargo dos adultos fornecer meios e organizar o dia da criança de forma a proporcionar a ela tempo para a brincadeira, especialmente agora em que o tempo livre na agenda das crianças está cada vez mais escasso.
No brincar livre, o adulto se torna um espectador dessa atividade infantil e reside nessa observação o seu processo de autoeducação. É comum que, nesse momento, o adulto se confronte com sua própria expectativa de mostrar algo pronto para a criança, mas o que está em jogo é a maneira como conduzimos o processo de aprendizagem. Também é muito comum os pais se perguntarem: “ Mas o que faço enquanto a criança brinca sozinha?”. A resposta é simples: tente se empenhar em alguma atividade com o mesmo entusiasmo que a criança tem ao brincar.
Cabe aos adultos provocar o conhecimento e se policiar para não atropelar o desenvolvimento da criança na ânsia de ensinar coisas. É por essa razão que no brincar livre o papel do adulto é proporcionar um ambiente autoeducativo e zelar pela segurança da criança.
Porém, é importante destacar que o brincar livre não significa largar a criança ao seu próprio cuidado pois ela não tem ainda essa capacidade. Aliás, a presença do adulto é necessária para que ela se sinta segura e assistida, de modo a relaxar, exatamente porque sabe que há alguém zelando por ela.
Também é importante que o adulto crie oportunidades para que a criança possa imitá-lo. Neste sentido, as tarefas domésticas são saudáveis, primeiro porque seu objetivo é o cuidar da casa e, consequentemente, dos que fazem parte dela, onde a criança se inclui. Nesse caso, ela pode perceber o que está por trás da tarefa: o cuidado de uns com os outros através do que se oferece. Isso inclui a limpeza do ambiente da família, roupas limpas ou uma boa comida que alimenta a todos. Mas, também, por meio dessas atividades a criança enxerga os processos, presenciando algo que acontece dentro de uma linha do tempo.
Em tarefas simples, como lavar a louça, a criança vê começo, meio e fim. Essas atividades repletas de sentido são extremamente saudáveis para sua formação. Ver um adulto no computador ou lendo um livro, tão comum no pós pandemia, infelizmente, não oferece este tipo de vivência. Outra situação pedagógica é a convivência com irmãos, primos e amigos menores ou maiores. É por meio dessa experiência que a criança consegue extrair aspectos para a imitação.
Brincar o dia todo também não é saudável. O brincar se relaciona ao processo de expansão, mas é preciso contrabalancear com momentos de contração, em que a criança tem a oportunidade de entrar em contato consigo mesma, como nos momentos da alimentação, de ouvir uma história ou de fazer um pão, por exemplo. Se a criança tiver garantidos momentos de expansão, será natural ela também ansiar pelo seu oposto, a contração. Isso torna as tarefas como o banho ou se sentar para comer mais fáceis de serem aderidas pelos pequenos. Na maioria das vezes, esta alternância de polaridades não é oferecida às crianças. Insere-se em sua rotina uma grande carga de atividades dirigidas que, em sua maioria, estão relacionadas à contração. Um exemplo claro disso é o excesso de contato com eletrônicos, que torna as crianças inativas, apenas recebendo informação.
Na pedagogia é comum dizerem que se quisermos conhecer, verdadeiramente, a criança, devemos observar como ela brinca. Alguns adultos, erroneamente, entendem que a hora do brincar é o momento de um café ou responder mensagens no celular. Claro que, às vezes, essa é uma oportunidade para o adulto executar tarefas necessárias e não há problemas em fazê-lo. Mas a frequência deveriam ser policiadas por ele. É essencial que os pais estejam atentos aos seus nossos próprios excessos. Quem puder usar este tempo para observar a criança, certamente aprenderá a escutar seu filho e perceber suas emoções a partir do modo como ele brinca, fala ou se relaciona com outras crianças.
O brincar livre é momento de experimentação e, por essa razão, devemos conter nosso ímpeto de dar explicações. Aqui mora uma lição preciosa para os pais: permitir que as crianças descubram soluções, em vez de mostrar o “jeito certo” de fazer. Se o adulto ensina, tira da criança a capacidade de aprender por si e permitir essas experimentações faz com que a criança leve uma lição para toda a vida: a capacidade de superação e de descobrir soluções por si mesma.
Brincar em cada idade
O brincar livre varia de acordo com a faixa etária da criança. Quando ela olha para as próprias mãos, ainda bebê, está brincando e se relacionando com seu corpo.
O corpo é o primeiro brinquedo da criança e o meio pelo qual ela vive a brincadeira.
A partir do terceiro ano de vida começa a fase da fantasia, quando a criança amplia o repertório para desenvolver suas próprias brincadeiras. Na fantasia tudo é possível: um pedaço de pau pode virar uma colher ou um carrinho A criança fantasia o tempo todo. Já no final do primeiro setênio, a criança ganha uma qualidade imaginativa que a permite ter uma meta para o brincar, ou seja, ela brinca para chegar a algum lugar.
A criança pequena não busca resultados, ela está experimentando seu corpo e suas relações com o mundo para aprender a desenvolver e organizar seu próprio eu. Devemos ter respeito enquanto a criança brinca, brincar é uma atividade executada com seriedade. Basta observar como ela o faz, seu ofício de brincar se compara a um adulto executando seu trabalho. Na brincadeira, a criança transforma em atividade exterior aquilo que vive dentro de si.
Do segundo setênio em diante, ela pode transpor a seriedade no brincar para a vida escolar e, posteriormente, levará isso como base para a execução do trabalho na vida adulta. Daí a importância da brincadeira como construção do ser humano.
Donald W. Winnicot, psicólogo referência no desenvolvimento infantil, observou que crianças que brincam próximo das mães demonstram níveis mais altos de criatividade do que aquelas mais afastadas. Para ele, as crianças são altamente criativas desde que estejam a um certo raio de distância de suas mães, o chamado CÍRCULO DE CRIATIVIDADE. Neste “espaço”, elas podem assumir riscos e experimentar coisas como cair e levantar, fracassar e ter sucesso. Elas se sentem protegidas e seguras na presença de uma pessoa que as ama incondicionalmente. Este amor cria um círculo paralelo, o CÍRCULO DA FELICIDADE, no qual a criança é encorajada a seguir as coisas que são significativas para ela, independentemente do sucesso.
Além disso, estas experiências em que a criança exercita a criatividade, comete erros e têm êxitos, traz uma fiança, ou seja, um lastro emocional onde a criança ganha “COM-fiança”, em si e em suas capacidades. O reforço disso, ao longo da infância, fica marcado no cérebro como sensação de êxito. Este tipo de memória será acessada por este indivíduo na vida adulta sempre que se vir diante dos desafios intrínsecos à vida. Portanto, a presença dos pais, além de criar vínculo, também é essencial na formação desse circuito cerebral de autoestima, base da autoconfiança.
Essa presença atenta ao lado da criança é um dos gestos do cuidar para que possamos exercer a parentalidade de forma consciente. Afinal, enquanto guardiões do mistério da criança que nos é confiada quando nos tornamos pais, podemos acompanhar e proporcionar o ambiente para que aquele ser expresse suas capacidades criativas. O pai/mãe/educador não intervém, mas acompanha paciente e atentamente cada etapa do seu processo, confiando em seu pleno desenvolvimento.
No brincar, nos construímos, aprendemos não apenas sobre movimento, motricidade e equilíbrio, mas a imaginar, fantasiar e transformar o que vive dentro de nós em realidade. No brincar, colocamos nossa própria vontade a serviço de criar algo.Nesse treino, vamos ganhando confiança em nossa capacidade de realização.
Entrar em contato com o que vivemos nessa fase da vida, em que o brincar parecia ser mais permitido, pode nos dar pistas de como aprendemos a colocar nossos ideais e desejos para o mundo e tecer relações entre o que vivemos – ou não vivemos – e nossa saúde hoje em dia. Se você é um investigador de si mesmo e deseja se aprofundar, faça uma investigação em como foi o seu brincar na infância. A partir do desejo do conhecimento sobre si, ganhamos autoconsciência e nos apropriamos, cada vez mais, da nossa biografia.
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