A adolescência é um período conturbado para muitas famílias. Ainda que existam estudos que ajudam na compreensão do ser humano e suas fases de desenvolvimento, apenas quando temos um adolescente em casa é que despertamos para a necessidade de entender a fase pela qual nosso jovem em casa está vivendo. Acredito que não há uma receita mágica para solucionar os dilemas comuns dessa fase, dentre eles, o da escolha de carreira, tema comum quando convivemos com jovens que estão no fim do ensino médio ou mesmo antes, por volta dos 15 anos, quando este já passa a ser um tema dentro da escola e, consequentemente, no lar. Pensando na abrangência desta fase, penso na importância de compreender esta fase da biografia humana, denominado terceiro setênio, que compreende o período que inicia no início da maturidade sexual, por volta dos 14 anos, até por volta de 21 anos.
O cérebro humano obedece a um programa de desenvolvimento; portanto, a maturidade completa, segundo estudos mais recentes, acontece por volta dos 25 anos ou mais. O que se sabe, é que no terceiro setênio há uma grande ativação de algumas redes de neurônios, através de sinapses, gerando espessamento de mielina- estrutura formada por uma membrana lipídica rica em glicofosfolipídeos e colesterol que recobre os axônios, facilitando a rápida comunicação entre os neurônios – aumentando a massa branca do cérebro. Isso significa que a capacidade da conexão aumenta, e os impulsos elétricos se tornam mais velozes. Esse aumento de conectividade faz com que as percepções sensoriais se tornem mais aguçadas, gerando grande busca por experiências marcantes. Por isso, é comum a busca por limites, e as contestações podem ser vistas como marcos saudáveis de desenvolvimento deste cérebro. Ainda, o sistema límbico, do qual faz parte a amigdala cerebral, intimamente ligado ao nosso cérebro primitivo, está fortemente ativo, o que favorece aos impulsos incontroláveis. A tendência de querer expandir limites, de se emancipar, também faz parte da tempestade hormonal, afinal, a sexualidade está exacerbada. Quem poderia fazer o controle de todo este sistema integrado é o córtex pré frontal, que faz parte da massa cinzenta, camada mais superficial do cérebro, responsável pelo julgamento, pensamento crítico, tomada de decisão, autocontrole, planejamento, atenção, organização, controle de emoção, de riscos e impulsos e resolução de problemas. O grande problema é que esta é a última camada do cérebro a amadurecer, e tal desenvolvimento não caminha na mesma velocidade das sinapses. Esta pode ser a razão física e bioquímica para que o jovem viva uma fase muito conturbada. Seu sofisticado cérebro e arquitetura mental ainda estão em construção, e isto faz deste momento uma fase de alta vulnerabilidade e baixo controle de impulsos e de tomada de decisões. Neste ponto, entra o papel dos pais, educadores ou das figuras de referência do jovem. Mas como auxilia-los neste momento dramático de sua biografia de forma que não sejam os responsáveis pela decisão e, ao mesmo tempo, não deixem estas recém “não crianças” à deriva?
Quando acompanho famílias que passam por este momento, costumo pedir que os pais acessem suas próprias biografias, buscando contato com a forma como se deu sua decisão profissional. Muitas são as histórias de escolha por impulso, influenciados por amigos; outros, escolheram seguir os caminhos dos pais, para agradá-los, ou nem pararam para pensar no que realmente gostavam. Alguns, lembram-se de afirmações e frases marcantes sobre o futuro que contribuíram decisivamente para suas escolhas e que ainda estão presentes em seu sistema de crenças. Porém, muitos, nem se lembram do porquê de sua escolha e hoje vivem uma nova crise, buscando uma transição de carreira, pois descobriram que não se encaixam mais no que fazem. Normalmente, a crise tardia costuma ser mais dramática do que a crise do adolescente; é a crise do adulto de meia idade ou mais, quando percebe que viveu uma vida com pouco sentido ou sem nunca ter tido prazer em sua profissão. Percebo que o simples fato de lembrarem de suas trajetórias desencadeia compaixão diante da dificuldade que os jovens com os quais lidam atualmente estão vivendo. Neste momento, pergunto aos adultos: o que você gostaria de ter escutado naquela época, quando não sabia que caminho seguir?
Cada um terá a sua resposta particular, mas segundo a visão da Parentalidade Essencial- modelo de educação parental que observa o desenvolvimento humano a partir de componentes físicos, emocionais e espirituais- nesta fase, dos 14 aos 21 anos, o jovem vive uma grande crise de identidade marcado pelo fim da infância, que acontece com o início da maturidade dos órgãos reprodutores; este fato bioquímico tem correlação com sua organização física e psíquica. Nesta fase, há uma grande mudança no caráter das relações, os amigos, nas chamadas tribos, passam a definir sua forma de pensar, agora em grupo, e os pais perdem o título de autoridade. Este processo de separação é extremamente saudável, pois este jovem precisa buscar a sua verdade no mundo, que não é a verdade do pai, da mãe ou do educador, mas a sua própria. Ele passa a ser juiz e réu de si mesmo; se quisermos ajuda-lo, teremos que calar os sermões e verdades prontas e ajuda-lo a construir as suas.
Devido a uma complexa organização interna, o senso para o verdadeiro é algo inato no jovem, mas ele precisa ser fortalecido para que aprenda a tomar decisões coerentes. Lembre-se de que seu aparelho tomador de decisões está ainda sendo calibrado, mas para se tornar afiado, será preciso treino e confiança dos pais neste ser em desenvolvimento, com a compreensão de que os erros fazem parte desta afinação. Para isso, os pais devem ajudar o jovem a construir pensamento crítico e fazê-lo refletir sobre as seguintes perguntas para si mesmo: o que é verdade para mim? Como construo minhas verdades?
É o incentivo ao pensar, capacidade em pleno desenvolvimento, que precisa ser favorecido. Por isso, buscamos abertura para diálogos onde o objetivo não seja colocar as nossas ideias na cabeça dele, mas sim ajuda-lo a pensar no que é melhor para ele. O jovem busca a verdade do mundo; principalmente, em relação as suas figuras referenciais, ainda que, aparentemente, rejeite-as. Procure contar a ele fatos interessantes do tipo: como foi a sua escolha de trabalho; quais seus erros, acertos e frustrações. o que teria feito de maneira diferente, e como você se sentia e como se sente, hoje, em relação ao que faz. Faça uma reflexão sobre seus talentos na juventude e o quanto eles estiveram ligados ao seu caminho profissional. Ainda, conte ao jovem se você se considera bem sucedido profissionalmente. Entrar neste espaço de vulnerabilidade, apesar de constrangedor, aproxima jovens e adultos. Ele não quer saber de teoria, sobre como você faria, ele quer saber como você, de fato, fez! Curiosamente, quanto mais enxergam a nossa imperfeição, mais sentem a autenticidade, o que passa credibilidade e os inspira. Com este tipo de diálogo, onde o sermão passa longe, abrimos uma fresta onde o diálogo construtivo pode ter lugar.
Se você encontrar uma pequena abertura para este tipo de conversa, considere-se sortudo. Muitos jovens se fecham totalmente e, infelizmente, suas construções de verdade serão feitas muito longe de nós; mas, quanto a isso, teremos pouco a fazer nesta fase. O processo de confiança e abertura começa no primeiro setênio, dos 0 aos 7 anos, se fortalece no segundo setênio, dos 7 aos 14 anos, e se consolida no terceiro setênio. É comum que tenhamos perdido as fases anteriores, afinal, educar um ser também é um processo onde estamos nos autoeducando para nos tornarmos melhores educadores. Quando vejo pais lamentando o tempo que passou, sempre digo que o tempo nunca é perdido e que as crianças/jovens nos despertam no momento em que estamos prontos para aprender. Se este momento for quase no fim de seu desenvolvimento, talvez, seja porque fizemos o papel que era preciso até então.
Uma dica importante que dou aos pais, que ficam impacientes nesta fase, é que a melhor forma de educar é o bom humor; e que bom humor, nesta fase, é apenas saber não se irritar. Portanto, tenha paciência com o momento em que eles vivem, pense que eles ainda, de fato, não estão prontos, inclusive cognitivamente. A organização mental exige alto nível de controle cognitivo e a maneira como o cérebro adolescente está integrada, com acesso limitado aos lobos frontais, dificulta o processo de planejamento. Neste sentido, as perspectivas sobre o futuro de suas próprias vidas é bastante limitada, o que pode gerar a falsa ideia de que eles são propositalmente irresponsáveis ou preguiçosos. Mas esta não é a verdade, tente pensar que nossa visão adulta, capaz de organizar e planejar o futuro, é privilegiada em relação à deles. Neste ponto, podemos cair em um grande erro, o de achar que, portanto, seria mais fácil se escolhêssemos por eles, já que eles ainda não estão “prontos”. O grande problema disso é que não será você a lidar com o bônus e, principalmente, com o ônus desta grande escolha; que, inclusive, pode dar muito certo, e assistiremos orgulhosos, mas pode, igualmente, dar errado, e nem mais estaremos aqui para oferecer um colo.
Grande parte dos adultos hoje consegue olhar para trás e reconhecer que suas escolhas poderiam ter sido melhores. Ciente disso, entenda que o jovem, muito provavelmente, vai escolher errado, e pode ser que tenha a oportunidade de corrigir a rota ainda na juventude, mudando de curso ou encontrando um trabalho que não lhe exija a faculdade que ficou meia ou quase uma década cursando. Mas não precisamos ser responsáveis por estas escolhas. Isso inclui tomar cuidado com falas permeadas de críticas, pré conceitos sobre determinadas profissões ou falas que destroem autoestima e confiança do jovem. A alta conectividade do cérebro nesta idade faz com que as vivências de forte conteúdo emocional sejam facilmente marcadas e se tornem crenças limitantes para o resto da vida. Do contrário, para contribuir construtivamente com esta janela de oportunidade no cérebro, procure ajuda-lo a elaborar seus próprios julgamentos e aprender a tirar suas conclusões. Também podemos oferecer tempo de diálogo, que envolve contar de si mesmo, mas, na maior parte do tempo, saber escutar as angústias que vem dele sem julgamento e sem ânsia de querer colocar nossas verdades no centro da conversa.
Para que ele seja capaz de elaborar suas conclusões, precisamos respeitar as três etapas da análise do pensamento:
- Elaboração Mental: permita que ele colha dados, não apenas de você, mas por meio de leituras, pesquisas, colegas e outras fontes. Se tiver abertura, busque diálogos onde possa fazer perguntas que explorem quais coisas ele sente prazer em fazer ou coisas nas quais ele enxerga sentido quando executa. Ajude-o a sair da “caixinha” chamada profissão e tente fazê-lo perceber suas habilidades e vocação.
- Julgamento: dê tempo para que ele, agora, possa fazer sua avaliação sem interferência da sua opinião.
- Conclusão: quando damos tempo para cada etapa, devemos confiar na capacidade do jovem de decidir e apoiá-lo em sua decisão, ainda que ela seja diferente do que faríamos. Isso envolve apoiar escolhas que nossa mente adulta, limitada, não é capaz de compreender mais, mas que no jovem isso ainda está livre. Aqui está o grande segredo.
Importante lembrar que todos nós erramos e o jovem ainda está em tempo para isso. Ainda que escolha muito errado, tem um longo caminho para escolher outras possibilidades e, com isso, ganhar algo que vale tanto ou mais que uma faculdade específica: experiência de vida. Voltando ao início da conversa, sobre o desenvolvimento do cérebro humano, o que se percebe é que ao longo da evolução, a espécie humana se sobressaiu das demais espécies por sua alta capacidade de adaptação, fruto de suas sinapses. A neuroplasticidade explica que interações com o ambiente, interno ou externo. tornam o ser humano capaz de uma mudança adaptativa na estrutura e nas funções do sistema nervoso. Em outras palavras, quando temos oportunidade de experienciar diversas situações novas, nosso cérebro é obrigado a se adaptar e, com isso, desenvolve-se, ganha habilidades e novas capacidades.
Em resumo, a busca pelo novo, por verdades e a necessidade de autodescoberta são naturais e saudáveis nesta fase da biografia. Afinal, o jovem precisam criar sua independência e se emancipar de seus pais, ou figuras de referência, para criar sua própria noção de individualidade, onde a escolha profissional será mais um marco de autorreferência. Lembre-se, não se trata de escolher um curso, mas sim de conviver com uma escolha que faz parte da construção de sua própria identidade. Para ajuda-los, tenha a consciência de que, em seu íntimo, a real necessidade do adolescente é encontrar um mundo que ele enxergue como verdadeiro e autêntico. E são os adultos com os quais ela convive que mais suscitarão a percepção da autenticidade deste mundo. Nesta busca nata pela verdade, podemos presenteá-los com biografias de pessoas que tiveram suas vidas vividas com muita verdade, por exemplo. Eles estão sedentos por este tipo de inspiração e buscarão exemplos de pessoas que vivem ou viveram suas vidas desta forma. Ainda, o trabalho de autoconhecimento dos pais ou responsáveis por este jovem pode ser uma maneira genuína de descobrir, em suas próprias biografias de juventude, histórias inspiradoras para o adolescente com o qual lidam atualmente. Para iniciar este caminho, encorajo você, adulto, a lembrar de seus sonhos e desejos aos dezoito anos de idade. Ainda, quais dons, talentos e habilidades natas possuía nesta fase de vida e que não foram incluídos em seu caminho profissional, tornando-se esquecidos? Quando nos reconectamos às nossas verdades da juventude, libertamos nossos filhos para seguirem seus próprios caminhos com autonomia e confiança. E, afinal, não seria este o genuíno desejo por trás de toda educação?
Camila Capel
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