Parentalidade

Como controlar o uso dos eletrônicos

Tempo de leitura: 7 min

Uma escrita, muitas formas de consumi-la.

Como controlar o uso dos eletrônicos
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Muitos pais percebem que os eletrônicos não são o melhor que podem oferecer aos seus filhos e realmente querem eliminá-los da rotina da criança ou, pelo menos, diminuir seu uso, tanto para filhos como para si próprios. É então que se deparam com a questão prática da decisão: como e quando fazer isso? E a resposta que costumo dizer é: se esta é a melhor decisão para a família e estão prontos para lidar com as consequências da privação, a melhor hora é agora.

A coesão dos responsáveis é fundamental para o sucesso da empreitada, porque a mudança impacta na dinâmica da família. Contar com apoio traz força não apenas para os adultos, mas, principalmente, baliza a criança, promovendo uma sensação de proteção. Ainda que ela mantenha um discurso contrariado, internamente ela sente uma rede em torno dela, zelando pelo seu bem-estar, o que se torna uma mensagem de amor.

Comece explicando a nova decisão à criança, em poucas palavras. Quanto menor a criança, menor deverá ser a explicação e o nível de resposta que o pai dará frente aos protestos. Reclamar, chorar, birras e escândalos são previstos e a discussão do assunto por parte dos pais já deve ter sido suficiente para lidar com a própria angústia frente à privação do prazer para o filho. Portanto, os pais se mostram solidários à dor da criança, sem dar grandes explicações, apenas com sua escuta e presença.

Se a criança está inserida em uma comunidade onde outras crianças usam eletrônicos, essa privação deve considerar que a criança ficará apartada do grupo. cabe aos pais avaliar como minimizar a sensação de não pertencimento que isso pode gerar, especificamente no caso das crianças maiores. Neste caso, vale o mesmo que se diria aos pais de uma religião que, por exemplo, guardam os sábados mas que convivem com crianças de crenças religiosas diferentes. Cabe aos pais explicar que aquilo é importante para a família, que realmente acreditam ser o melhor para ela e que em cada família isso pode variar, destacando o aspecto positivo de fazer parte de uma crença diferente. Desta forma, é possível mostrar que tudo possui mais do que um lado e que não existe certo ou errado.

Ter um ritmo aliado a uma rotina de vida ajuda a criança neste processo, porque saber os momentos do dia marca a passagem do tempo de forma natural e o organismo, acostumado a determinado ritmo, trabalha em um modo mais tranquilo e sob menor efeito de ansiedade. Lembre-se que trabalhar a ansiedade será o desafio do novo projeto. O ritmo também ajuda quem vai cuidar da criança a planejar o que propor ao invés das telas.  Dentro de um ritmo, ficam nítidas as transições do dia, e isso se reflete no emocional da criança.

Talvez o maior desafio para esse projeto seja pensar em como extrair, da própria rotina,interesse por parte da criança. Os eletrônicos de fato ganham na concorrência e isso exigirá muita criatividade dos pais. Uma mãe que atendi me contava que saíam todas as tardes para um passeio despretensioso, mas a mãe, planejava a caminhada de forma que passasse por locais onde pudessem colher plantas no chão e, mais tarde, isso servia de material para colagem.  Ainda, uma outra, fazia da tarefa de recolher o lixo, uma busca por matéria -prima para a construção de um jogo feito a mão.  Veja o quão simples pode ser entreter uma criança. Mas muitos dizem que as crianças não sentem interesse nesse tipo de coisa. Costumo dizer que a falta de interesse é porque nossa sociedade está se afastando das necessidades infantis, que seriam realmente simples, e buscando enquandrar as crianças em necessidades que eles enxergam necessárias no futuro. Assim, aumentam aulas, ensino de habilidades, uso de tablets para ensinar, achando que esse tipo de vivências as prepara para o futuro.  O problema é que isso deixa escapar a preciosidade da infância, o tempo presente. Isso já é tão enraizado em nossa cultura, que muitos pais acham desnecessário uma criança aprender tarefas domésticas ou consideram “sem graça” uma passeio no parquinho e tanque de areia. 

Se a criança estava habituada demais ao uso de eletrônicos, realmente sentirá grande falta nos primeiros dias, existe um tempo de formação de novos conectomas cerebrais. A paciência do adulto é fundamental e talvez ele tenha que estar mais presente do que habitualmente. É altamente provável que ele terá que lidar com birras frequentes e, possivelmente, terá um aumento de bagunça pela casa. Lembre-se que dizer não para algo, exige dizer sim para outra coisa. Eleger os “sim” possíveis, pode ajudar a construir estratégias e proporcionar vivências novas em casa: cabanas de lençóis; mexer com sucata, cola, recortes; mexer com terra, água, pedaços de pau; rabiscar no chão com giz; amarrar tecidos, fitas; usar caixas de papelão, bola, cordas, pés de pau, andar de bicicleta. Todos esses são recursos disponíveis podem ajudar na proposta de atividades livres. 

Como dito, não existe uma regra e cada família deve procurar a melhor maneira de mudar este hábito se assim fizer sentido. Alguns pais gostam de partilhar momentos com os filhos vendo TV ou acham que a criança deve ser menos exposta a ela, mas não totalmente privada. Esta é também uma opção válida. Uma alternativa, é eleger o momento da rotina semanal onde o eletrônico será uma opção válida, com tempo determinado. Importante apenas  fazer cumprir o combinado, mesmo sob protestos, porque  a criança testará os limites da coerência dos pais; e toda vez que estes se mostram firmes na decisão, ela ganhará segurança.

É importante que os pais também observem seus hábitos e verifiquem se não estão excessivamente ligados às telas também. É importante eleger momentos de presença total diariamente, seja na refeição, ao chegar em casa ou após as tarefas domésticas. Ter a caixinha do celular ao lado das chaves na entrada é uma alternativa simples e a própria criança pode testemunhar que aquele momento é da família. Obviamente, o trabalho de alguns pais acontece pelos meios eletrônicos, principalmente em tempos de home office. Nesse caso, procure estabelecer horários e local reservado para suas tarefas e avise a criança quando for se ausentar para o trabalho. O exemplo é o melhor dos professores, e quando a criança consegue perceber que toda a família abraçou o projeto, ela enxerga que este é um desafio para todos, o que demonstra união de propósito.

O day off pode ser assistir a um filme com pipoca, ou na sala, em barracas, com toda família, com os primos ou amiguinhos; ainda vale resgatar o dia do cinema, que hoje está quase abolido pelo acesso fácil aos lançamentos na TV, mas a ida ao cinema como passeio tem muito mais valor que o filme. A dica é, agregue um valor positivo aos eventos que tenham telas, fazendo disso algo especial e não rotineiro. Se a criança tiver um ritmo bem pulsado, ela saberá que o “dia especial” se aproxima pelas mudanças que a própria semana traz. Quando maiores, um calendário semanal simples, de imagens, pode ajudar a conter a ansiedade. O importante é que este dia deve ser valorizado, como um momento especial e, aos poucos, a criança esperará por este momento com felicidade e não mais com irritação. Chegará o dia em que o  motivo de tristeza passará a ser o motivo de alegria da semana, não mais por condicionamento ou vício, mas realmente por alegria; não pelo eletrônico em si, mas pelo contexto afetivo, o qual os pais agregam algum valor.

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