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O aspecto Transgeracional da escolha de profissão

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Uma escrita, muitas formas de consumi-la.

O aspecto Transgeracional da escolha de profissão

Quando pensamos na escolha de carreira dos filhos, é comum que muitos pais bem sucedidos desejem que seus filhos sigam o mesmo caminho. Não se trata apenas de querer perpetuar algo, mas também, de um pensamento baseado na ideia de que o fato de já terem trilhado uma vez o caminho, retira muitos empecilhos que, por ventura, seus filhos venham a enfrentar. Neste sentido, querer que os filhos sigam nossos passos vai além de uma possível vaidade, mas é também, um pensamento intimamente ligado a proteção.

Para aqueles que sentem este desejo, assumido ou velado, de que os filhos sigam seus passos, convido a refletirem sobre suas biografias, em busca dos motivos que os levaram a escolher sua profissão atual como o grande projeto da juventude. Essa pergunta pode ter inúmeras respostas: pode ser que sua profissão atenda uma necessidade pessoal de realizar um dom; ou uma necessidade social, suprindo uma demanda da sociedade; ainda, uma necessidade exclusivamente financeira, baseada em lucro ou perpetuação de patrimônio e legado familiar. Na verdade, pouco importa aqui a resposta; a ideia é que possamos entender que toda escolha é baseada, em algum nível, em uma necessidade a ser atendida.

Esta reflexão tem como objetivo dissociar nossos desejos dos desejos de nossos filhos, tentando dar um pequeno espaço para que as necessidades deles possam ganhar luz. Caso contrário, educamos herdeiros dos nossos sonhos, crenças, marcas, símbolos, do nosso patrimônio intangível. Muitas vezes, este intangível se confunde com o tangível, quando o que doamos na forma de energia, trabalho e dedicação foi o combustível para a construção de patrimônio em espécie, ou uma reputação socialmente reconhecida, o que também tem grande valor agregado. Quem passou pelos estágios da construção, sabe as crises que a forjaram e o trouxeram à fase atual; talvez, este seja o grande desejo desses pais que anseiam que filhos sigam seus passos, deixar um caminho mais suave e já com trilhas marcadas, evitando que se percam. O medo do sofrimento no outro move muitos atos de amor. Mas lembre-se, nossos filhos são seres únicos, com biografias diferentes das nossas. Por outro lado, eles têm a nós para apoiá-los e ajuda-los a viver seus próprios desafios.

Também é preciso levar em conta que os jovens de hoje não são os jovens da nossa geração. Entender os conceitos de gerações segundo a sociologia nos dá a dimensão do quanto as mentes dos jovens estão em mudança. Provavelmente, o jovem que hoje está decidindo sua faculdade faz parte da geração Z – definição sociológica da geração de pessoas nascidas, em média, entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010. Portanto, é uma geração que sucede a de seus pais, que talvez façam parte das gerações Y – também chamada geração do milênio ou geração da internet, nascidos na década de 1980 até, aproximadamente, a primeira metade da década de 1990- ou geração X – os nascidos entre 1965 e 1981, durante a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial. Compreender a nova consciência e seu entendimento sobre o futuro que anseiam pode ajudar a compreender que o fato dos nossos filhos escolherem profissões distintas das que nós escolhemos, é uma questão cultural e social. A geração Z prioriza qualidade mais do que quantidade, preza a liberdade e flexibilidade para desfrutar plenamente da vida. Ainda, sua construção de relação é baseada em comunidades digitais e a Inteligência Artificial já está intrinsicamente ligada à sua maneira de pensar. Além disso, a consciência deles está mais aberta a questões ambientais, ao impacto que seu consumo tem no planeta e para as pessoas que vivem nele. Ela também pensa em gerar impacto social, em tornar o mundo melhor; e neste cenário, o acumulo de bens nas mãos de poucos, sem nenhum propósito maior, não faz sentido.  Eles estão na contra mão do excesso e querem reduzir não apenas lixo, mas a quantidade de informações que rouba o tempo para si mesmo. Perceba o quanto isso pode parecer uma cultura egoísta para uma geração que aprendeu a viver para o trabalho e para produzir. Mas se queremos abrir um espaço para escuta limpa e profunda das necessidades do jovem com o qual lidamos, temos que nos informar sobre como eles pensam e como se entendem neste planeta. Eles não querem apenas “ter” coisas, eles querem “ser”. Neste cenário, os bens materiais e a conquista de cargos e prestígio se tornam secundários em sua lista de necessidades. O sucesso para eles, pode ser que seja bastante diferente do que esta palavra representou para nós. Esta nova geração percebeu que, para se ter muito, será́ preciso abrir mão de algo precioso, seu tempo. Neste ponto, ele pode abrir mão, inclusive, de privilégios que o dinheiro pode comprar. Ele não quer viver para o dinheiro, mas que o dinheiro viva em função dele. Uber e airbnb são os grandes exemplos, o jovem não sonha com um carro aos 18 anos e nem ter sua casa, afinal, ele pode se locomover e ainda ingerir bebida alcoólica sem ricos e ter uma casa em cada lugar do mundo, sem pagar aluguel. É o retorno à simplicidade, ao essencial, onde ser livre, é a premissa.

Não sabemos se este é um processo natural ou, em grande parte, relacionado ao advento COVID-19, onde aprendemos a nos reinventar, adquirimos habilidades novas, aprendemos a ficar digitais na marra. Quem é da época do desenho Jetsons, poderá se lembrar de George Jetson, o pai, trabalhando a distância via computador. Aquilo parecia ser outro planeta e hoje cá estamos, onde até a escola e faculdade se tornaram virtuais. Neste ponto fica a pergunta, será que nós, adultos de hoje, sabemos viver nesse mundo ou temos que aprender um pouco com os jovens atuais?

Esta é a beleza no caráter transgeracional da vida. Cada geração agrega algo a geração anterior e continua carregando o passado perfumado pelo espírito do futuro. Foi assim conosco; também tínhamos necessidades diferentes de nossos pais, porém, nem todos conseguimos seguir livremente. Muitos ficaram presos, vivendo sonhos que não lhes eram próprios, e isso também tem seu alto preço. Mas, agora que nós somos pais, podemos fazer diferente, e liberar nossos filhos para irem de encontro aos seus próprios desejos… às vezes malucos, arriscando as garantias que podemos lhes dar. Mas para eles, talvez, faça mais sentido arriscar agora do que passar a vida em um sonho emprestado.

Mas insisto, sempre é tempo de mudança, inclusive para nós, e nossos filhos são este convite de revisitação à nossa própria biografia. Que escolhas fizemos quando tínhamos a idade de nossos filhos e que determinaram o fluxo de nossa vida? É comum a constatação de que alguns pais se conhecerem exatamente porque cursavam a mesma faculdade, e deste encontro nasceu a família atual. Nestes casos, sempre questiono se uma carreira é feita de um curso superior ou se, na verdade, carreira é a estrada que percorremos ao longo de nossa história e vamos tecendo intersecções por meio de encontros que acontecem nela. A palavra carreira, relacionada a trajetória profissional, acontece a partir do século XIX. Etimologicamente, a palavra se origina do latim medieval “carraria”, que significa estrada rústica para carros. Quando ampliamos nossa perspectiva para o significado, podemos, inclusive, rever nossas crenças sobre escolhas profissionais e, consequentemente, tornar este momento dramático da biografia dos nossos filhos mais leve. A carreira é o que fazemos com nossa vida desde o momento em que nascemos e só termina quando nosso carro (corpo) não carrega mais a força vital. Portanto, não importa a geração, todos nós podemos mudar a rota, cruzar novas estradas e tornar a caminhada da vida uma paisagem digna de ser apreciada. 

Camila Capel

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