Falar sobre envelhecer, apesar de consequência natural do ato de viver (e não morrer jovem), ainda parece tabu. Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, médica especialista em cuidados paliativos e especialista em intervenções em luto, afirma que existe um jeito de não envelhecer: morrer jovem! Neste caso, talvez seja melhor ficar com a primeira opção.
Gosto de pensar no envelhecimento como Dra. Ana Claudia Arantes também o coloca. Ela diz que envelhecer é como se recebêssemos um convite por volta dos trinta anos de idade. Na verdade uma convocação, que diz que dali trinta ou quarenta anos seremos iremos fazer uma viagem e não há como dizer não. Uma viagem para um deserto, como o Saara. Ali, será muito seco, muito quente de dia e muito frio a noite; nosso corpo vai sofrer por condições extremas e não poderemos levar muita roupa ou abrigo, ou seja, estaremos mais expostos a todas as intempéries. Fiquei com essas palavras de Arantes na mente e entendi o que, certa vez, o empresário Abílio Diniz disse em uma entrevista: “Comecei fazer oitenta aos vinte e nove anos de idade” . Desde então, penso no meu próprio convite e olho como cada pessoa ao meu redor, também convidadas, estão se preparando.
Há aqueles que desde os trinta anos começam seu preparo, como quem vai fazer uma viagem à lua e precisam aprender tudo sobre o lugar para se adaptarem melhor aos efeitos da gravidade. Na lua, não cairemos mas nessa, do deserto, caímos com qualquer ventinho mais forte. Outros esquecem da viagem e lembram-se na véspera, correndo para tentar se preparar um pouco. Há ainda, aqueles que acham que o convite é falso e testam limites, judiando de seu único meio de transporte para a terra árida, descuidando completamente de seu corpo durante uma vida inteira.
Chega o momento! Todos serão levados, mas não há um avião que nos leva e desembarca a gente lá de uma vez. É uma viagem de trem sedutora, cheia de escalas e paisagens deslumbrantes. O caminho passa por declives suaves, outras vezes mais intensos, mas, como a juventude, é repleto de belezas de todos os lados e não percebemos os efeitos da mudança do clima. Mas um dia nos vemos lá…
Inspirada nessa viagem humana do declínio físico, por onde ao anda no o trem da vida, ainda acredito que exista uma terceira opção, além de morrer jovem ou cair no deserto, podemos seguir um terceiro caminho, o envelhecer com dignidade e consciência. Para isso, conhecer algumas leis que regem a biografia humana podem nos ajudar.
Do ponto de vista da curva de vitalidade, a cada setênio de vida (período de sete anos), nosso corpo vai amadurecendo e vamos ganhando capacidade físicas que nos possibilitam nos apropriarmos de nossa individualidade, que podemos chamar de nosso eu. A partir dos vinte e um anos alcançamos o ápice da nossa vitalidade. Ali, temos a juventude nas mãos e a sensação de que o tempo é infinito e que temos todo tempo do mundo ao nosso dispor. A maturidade emocional em si chega apenas por volta dos quarenta, mas como nos sentimos sábios com vinte anos, não é?
Essa é a incongruência da vida, quando temos pouca idade, falta-nos consciência para administrar tanta vida pela frente de forma saudável. Somente quando a parábola que mostra o desenvolvimento do corpo começa a inverter sua curva, que até então era de ascensão, e começa a declinar, é que a consciência, que gotejava pouco a pouco em nós, começa a se expandir de volta às esferas de onde veio, as esferas sabedoria. É por isso que podemos ser sábios somente a partir deste momento.
Do ponto de vista do desenvolvimento que contempla corpo, alma e espírito, a consciência é muito mais do que um aparato do cérebro, ela apenas usa os componentes cerebrais como instrumento de expressão de desejos, cognição, pensamentos e para conceber ideias. Mas podemos notar que as pessoas que consideramos verdadeiramente sábias, em realidade, expressam algo que não é puramente delas, suas palavras são permeadas de beleza, poesia e virtudes que nos tocam a alma. Podemos reconhecer, ao ouvir alguém que já percorreu longa estrada da vida, que seus conselhos vêm carregados de um brilho e força que superam o puramente humano, podemos perceber nelas, o toque divino. E é isso que a verdadeira sabedoria, de fato, representa, a junção homem e forças espirituais que, através de seus pensamentos, deixam no mundo um pouco do céu.
Talvez, por sua curva já ter mudado a direção, de fato seja isso, elas estão, como as crianças, no meio do caminho. A criança vem chegando pouco a pouco no mundo terreno e os idosos, já caminharam bastante, portanto ambos estão entre céu e Terra…e cada grupo, ao seu modo, traze o hálito divino. A criança traz isso pela sua presença, regada de frescor e graça; já o idoso, traz através de sua atitude, palavra ou simples presença, capaz de preencher o ambiente de sabedoria.
Mas qual a diferença desse para aquele idoso ranzinza que reclama de tudo e de todos? Ou aquele que é rabugento e não suporta ver a felicidade de crianças gritando ao brincar? Penso que esses são aqueles que quando receberam o convite do nascimento, esqueceram que ele contem velhice e viveram suas vidas sem se cuidar para a segunda parte do show da vida. Assim, ao longo da juventude, viveram como se não houvesse amanhã e deixaram de lado o cuidado com alimentação, com o ar que respiravam, não deixaram de fazer uso de coisas que faziam mal para seu corpo e não cuidaram de suas mentes e espiritualidade; ignoraram sua porção humana que, como tudo que tem vida, nasce, cresce, desenvolve, fenece e morre, descrevendo um ciclo no tempo. Cada vida humana, do ponto de vista físico, também descreve este ciclo, conta com começo, meio e fim.
Mas uma característica dos ciclos, é que eles sempre recomeçam. Mas, então, como a vida recomeça depois do fim do corpo físico? Precisamos acrescentar a essa visão, nossa porção anímica, que podemos pensar como nossos estados de ânimo, estados da alma, esta sim pode continuar mesmo quando não estivermos mais aqui. Quantas vezes nossa família carrega sentimentos que gerações anteriores sentiam e quase podemos senti-los a partir da escuta de histórias? Através do sistema de crenças de uma família, fazemos reviver emoções que ela carrega há gerações. Também, quantas famílias revivem histórias de raiva e rancor que passam de pai para filho? Neste sentido, vemos que ciclos são transgeracionais. Assim, através dos nossos filhos, nós também vamos continuar aqui de certa forma.
Mas podemos ir além, podemos ser mais do que corpos que estão aqui, continuando ciclos transgeracionais por meio de repetições, hábitos e sistemas de crenças. Há uma margem de escolha para cada ser humano que o liberta da corrente de repetição de ciclos viciosos. Isso será o resultado natural do desenvolvimento da consciência individual de cada ser humano. A partir do autodesenvolvimento, podemos continuar, mas agora construindo de ciclos virtuosos.
Mais do que comer bem e fazer exercícios desde os trinta anos, talvez, o convite do envelhecimento saudável exija um pouco mais, o autodesenvolvimento e a busca por se conhecer cada vez mais. Por que é isso que fará a diferença para não sermos levados pela corrente cíclica que nos empurra para seguir uma manada, como se nossas escolhas não existissem e fôssemos levados por uma enchente. Cada individualidade é capaz de refletir conscientemente sobre sua vida e tomar as rédeas dela nas suas próprias mãos.
Penso que os idosos rabugentos não sejam pessoas ruins, são apenas aqueles que foram arrastados pela força da água e não perceberam que a própria vida lhes cabia, seguiram o ciclo, sem consciência e, de repente, se veem já com bastante idade, com uma perspectiva curta do futuro do corpo, limitados não apenas por incapacidade físicas, mas também mentais, emocionais e espirituais. Suas chances de liberdade estariam na consciência, que poderia expandi-los ao infinito, mas também não encontram essa ponte com algo além de seu físico pois não cultivaram essa relação durante a vida.
Portanto, se você já percebe que a vida é muito mais que o começo e fim do corpo, eu te convido a começar a fazer oitenta anos hoje. E se você, de fato, já está mais perto disso, comece a fazer cem! Pense que todo tempo que temos é oportunidade de nos relacionarmos e reafirmarmos nossa essência, pois essa continuará viva, como memória para aqueles que ficarão, mesmo depois que partimos. Nossas relações, a maneira como tocamos as pessoas e a consequência de nossas atitudes são o que contarão sobre nós quando não estivermos mais aqui. Portanto, em qualquer idade, pergunte-se: “Como quero me manter vivo mesmo depois que partir?” Talvez, essa seja a fórmula mágica da longevidade. Não viver, exclusivamente, olhando a finitude do corpo, mas sim, olhando para a vida que continua, independente do físico.
Para finalizar esta reflexão sistêmica, nada melhor do que trazer Bert Hellinger, alemão que trouxe o conceito das Constelações sistêmicas. Ele fez a passagem em 2019, com noventa e cinco anos, vivendo de forma ativa até o fim da vida através do trabalho e da escrita de livros. Em seu último, ele nos brinda, mais uma vez, com uma sabedoria “[…] já vejo a morte aproximar há alguns anos. Posso vê-la cada vez mais perto[…] eu a encaro com grande respeito, mas não ouso dar um passo em direção a ela…” (citação adaptada)
É a nossa consciência que liga nossa esfera física à espiritual. Trabalhamos isso não quando já estamos no deserto, mas cultivamos ao longo da nossa biografia, desde o momento em que iniciamos a maturidade, aos vinte e uma anos, quando tomamos posse do nosso eu. Os relacionamentos humanos que nos tocaram de lá até aqui, passando pelos encontros, separações, traições, reconciliações, papéis familiares, sociais, profissionais que assumimos, todos estavam trazendo desafios de relacionamentos para que firmássemos, cada vez mais, nossa individualidade. Interessante pensar que as relações humanas, onde nos colocamos em contato com o mundo são fórmula mágica para ganharmos, cada vez mais, posse de nós mesmos. Quem não saca este jogo, ou perde-se fora de si, vivendo a partir das escolhas alheias, ou protege-se tanto dos embates intrínsecos à vida que perde-se em si mesmo. Trocas excessivas nos fazem não saber que somos, ficamos permeáveis demais ao externo, já as trocas inexistentes, podem nos fechar demais em nossos próprios pontos de vista e nos limitar. Em ambos os casos, a própria identidade está ameaçada, presa na vulnerabilidade ou no ego.
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